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sábado, 13 de março de 2010

E pronto! E lá fui!


Eros e Thanatus

E pronto! E lá fui!

Pois é, pela primeira vez na vida estive no papel de moderadora de um debate com gente muito conhecedora a rodear-me do lado de cá da mesa e um público repleto de pessoas muito mais capacitadas para o efeito do que eu.

Enfim! Consequências da minha doce e extemporânea, diga-se, inconsciência que me faz “embarcar” em projectos que me parecem perfeitamente viáveis mas que, chegada a hora, me deixam absolutamente incapacitada de terror.
É então aí que eu me pergunto qual a droga que eu teria tomado para me apanharem a dizer que sim a semelhante exposição para a qual (e naquele momento já sem o seu efeito) constato que não estou minimamente preparada nem sou de todo capaz de executar com propriedade.

Foi ontem, no Clube Literário do Porto que eu me vi rodeada de dois poetas com provas mais que prestadas na matéria a moderar uma conversa cujo tema era:

“Eros e Thanatos, o amor e a morte na poesia”.

Ei!!!! Grande coisa! Dirão vocês.
Esse é um tema mais do recorrente e que percorre, tal qual uma maldição, a poesia desde Horácio com o seu tão famoso conceito de Carpe Diem ( que terá ido buscar aos epicuristas)até aos nossos dias com, apenas para exemplificar, o belíssimo poema de Alexandra Malheiro (uma das tais que me ladeava) do qual aqui deixo a primeira estrofe.

Urgente

Urgente?
Urgente
é o pão na boca do pobre,
urgente
é o céu
que a todos nos cobre,
urgente é a mão que afaga
e me acode,
urgente
é o não que
na língua me morde.

É verdade, não contesto a insistência do tema nem tampouco a existência de extensa matéria a esse respeito.
Contudo, exactamente por isso mesmo, estava em mim latente a preocupação de não estarmos ali a fazer mais do mesmo e, sobretudo da mesma forma…

(Reparem que, até para tentar relatar o acontecimento o estou a fazer do modo atabalhoado como, naturalmente, o orientei… É que não me ficava nada mal, mesmo nada mal, apresentar as pessoas da mesa!)

Pois bem, estava ladeada por, como já referi, Alexandra Malheiro, poeta com três livros publicados em papel e um quarto em formato digital e que é, nas palavras de Pedro Abrunhosa que assina o prefácio do seu último livro “Luz Vertical”Poeta inteira, ela própria vertical, infinita e remanescente, mostra-se finalmente como uma das mais surpreendentes novas vozes que se impõem no panorama da literatura nacional”.

Do outro lado estava Rui Almeida, poeta estreante no que concerne não à publicação, pois tem textos seus em colectâneas e revistas, mas à publicação em livro seu com o “Lábio Cortado”. Ganhador, com esse mesmo livro, da primeira edição do prémio de poesia “Manuel Alegre” instituído pela C.M.de Águeda.
No posfácio que creio ser de Paulo Sucena, um dos membros do júri, podemos ler também o seguinte: ”Estamos perante uma poética que estabelece uma subtil conjugação entre a palavra e o mundo, assumida numa apresentação do poema como produto da linguagem.” E diz-nos ainda que “O título do livro…é por si só uma terrível marca do tempo presente… permite-nos falar de uma voz cortada, de um ser imperfeito de uma vida que sangra.”

E agora atentem! No meio, estava eu. Sem prefácios de Pedro Abrunhosa, sem posfácios de Paulo Sucena e sem juízo nenhum pois que me tinha proposto a semelhante função.

Bom, lá tive que assumir aquilo que me propusera e dei início à sessão não sem que antes me tivesse dado uma vontade imensa de largar a correr, num gesto impulsivo, creio até que de auto-defesa, pela Rua Nova da Alfândega.
Não o fiz, claro, mas tive que ir despindo sucessivas peças de roupa, tais eram os calores que me avassalavam.

Como o fiz, o que fiz, se disse muita coisa que não deveria ter dito, se omiti muito do que era importante dizer, se cumpri com as regras mais ou menos estabelecidas ... Enfim, se moderei ou não, convenientemente, o debate, isso não sei.
Sinceramente, aquelas quase duas horas passaram num ápice sem que eu me tivesse dado muito conta do que fazia.
O público, ilustre, devo dizê-lo, foi excelente. Colaborou e enriqueceu a sessão com o seu saber e as suas intervenções e/ou perguntas pertinentes.

E, quando dei por mim, tinha encerrado o debate.
Estava viva, ninguém me lançava olhares assassinos pelo que supunha que acabaria por sair incólume desta assumida imprudência .

Termino, pois a prosa vai já longa. Deixo-vos, contudo, bem acompanhados. Vou deixar-vos com o poema de Rui Almeida que dá título ao livro. Usufruam!


É o lábio cortado que molha o ventre.

Um ciclo de lentidão entranhada
Disperso no vício da suavidade,
Como pedra circulando nos poros,
Que arromba a pele segura pela sede,
Suposto contorno de suor ágil
A entrar na sequência da queimadura.

Entretanto seca o rumor da boca,
A ruptura alcança fertilidade
E o olhar transforma as mãos em segredos.

Ah! E quanto ao tema…. Bem, tirem as vossas conclusões. Certamente não andarão longe das que ali abordámos.

11 comentários:

wallper.lima disse...

Olá Celeste, gostei mto de como vc iniciou sua postagem e depois como abordou tudo aquilo que sentiu, o quanto se despiu, a relutância em estar e não estar, correr ou ficar, desistir ou assumir! Realmente devo admitir que o tema "Eros e Thanatos, o amor e a morte na poesia" "aparentemente" tão com comum, mas por um outro lado, tão abrangente e profundo, que nos transporta para um outro caminho, onde as vezes a ilusão, os sonhos, aquilo que não seguramos mas sentimos próximo, está presente...imagino seu calor, seu medo, mas ao mesmo tempo se eu estivesse aí, tenha certeza que eu diria a vc: - Vá em frente, pois vc possui além de conhecimento, uma alma de poeta, uma bagagem capaz de assumir qualquer desafio, pois vc conhece acima de tdo o poder, a beleza, a verdade dos sentimentos.
Não sei se vc leu, mas deixei um comentário no poema que vc fez a sua filha...achei mto lindo, e não pude deixar de externar.
Bjos com muita saudade, e de sua presença em meu espaço.
Waleria Lima.

Anónimo disse...

Eu sei que foi ;)

Donagata disse...

Obrigada a ambas.

Susana, sempre uma querida e uma crente...

Waléria, enferma também da mesma doença, o crédito que me dá. Gostei muito do seu comentário sobretudo porque pareceu adivinhar alguns aspectos que se abordaram no debate.; a omnipresença quer de Eros quer de Thanatos em quanto se passa nas nossas vidas. O conceito abrangente, sobretudo para todos quantos têm alma de artista(o seu caso)do Amor e da Morte. O imenso intervalo que medeia esses dois conceitos em que quase tudo cabe. Abordámos também a pintura, claro, como forma de expressão artística, o cinema, a música e, como não podia deixar de ser, acabámos por cair em Freud...

Sofia Loureiro dos Santos disse...

Donagata, feliz por te ler e sentir entusiasmada.
Duas horas de debate são a melhor prova de que a tua moderação só pode ter sido excelente!
Bjs

Donagata disse...

Parece que não foi muito má, Sofia. Já tive algum feed-back...

AM disse...

Eu gostei ;)

Brain disse...

Ora bem,
Só quem não conhece esta SENHORA é que poderá acreditar que ela poderia ter feito outra coisa, que não simplesmente um EXCELENTE trabalho!

Estar frente a um público,
A falar,
A moderar,
A dar a cara...não é fácil!

Mas aqui a Donagata tem essa particularidade de "ser": encara tudo de uma forma plena, dando tudo o de si.
E sendo assim, como pode algo correr mal?

Como eu costumo sempre dizer:
"Dei o meu melhor! Se não foi suficiente, lamento, mas foi o melhor de mim e por isso estou tranquilo."

E como principal responsável por esta aventura da donagata, só posso dizer que sabia de antemão que assim seria e que senti isso: que ela deu o seu melhor e como tal, correu tudo MUITO BEM, como estava certo que seria e como todos pudemos testemunhar que assim foi!

Obrigado!
Uma vez mais.

Donagata disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Donagata disse...

Brain, como sempre um querido. Mas nem assim te safas de, numa próxima oportunidade, ver se consigo deixar a inconsciência à porta e dar-te uma resposta reflectida. Aliás como já eram horas de serem as minhas respostas...

Donagata disse...

A.M. ainda bem que gostou. Era, sem qualquer dúvida, uma das opiniões que mais me afligia...

Cristina Loureiro dos Santos disse...

Tenho a certeza que foi excelente. Pena tenho eu de não ter assistido... Também participei no primeiro encontro dos Poetas do Mundo (Lusófono) em Almada, uma daquelas coisas lindas que tu ias gostar, em vários dias, plenos de poesia, música, dança, teatro, gastronomia, exposições, apresentações de livros, debates...

No próximo, vou sugerir o teu nome para a organização ;) E não só...

Beijinhos :**