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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Estranhas formas de acordar (ou de dormir?)


(Imagem: "Dimanche après- midi" de Leonor Fini)

Há já uns dias acordei estremunhada com aquela sensação indefinida de que algo deveras estranho se estava a passar.

E, embora completamente estrovinhada, mal acordada, verifico que há alguém que, ao fundo da cama, está de máquina fotográfica em riste a captar imagens desta onde me encontro, supostamente a dormir.

Ainda bastante aturdida, até porque tudo me parece a vivência de um sonho, confiro porém, que o fotógrafo madrugador era, nada mais nada menos do que o meu gatão (marido).

Apesar de bastante embotada pelo sono, pelo insólito da situação e, sinceramente, até por alguma preocupação (a que me era possível dadas as circunstâncias), comecei a aventar para mim mesmo hipóteses para tão descabida atitude de uma pessoa que, dentro de parâmetros que reputo até bastante exigentes, normalmente, é de considerar normal.

Estaria no meio de algum sonho estranho que o levava a ter tão anómalo comportamento?

Ter-se-ia tornado sonâmbulo?

Estando acordado, seria que ia enviar as fotografias para alguma companhia de seguros a fim de ser, de algum modo, ressarcido pelas perdas que podia considerar ter sofrido atendendo ao facto de o valor facial da esposa com quem havia casado há 33 anos não ser, seguramente, o mesmo de agora???!!!! É que, para o efeito, seria, sem qualquer margem para dúvida, a melhor altura para recolher imagens…

Será que existem seguros desses??

Contudo, nesse caso, seria necessário também ter em conta o reverso. Contabilizando o preço da carne por quilo, havia adquirido um lucro muito aceitável dada a mais-valia adquirida por mim nesse aspecto particular durante esses anos…

Teria eu sofrido, durante a noite, alguma metamorfose kafqueniana que só mesmo a força das imagens me levariam a acreditar?

Mas, olhando melhor (já mais acordada), verifiquei que não era de repúdio o ar exibido pelo meu marido. Ostentava até um ar de boa disposição e bonomia que, a meu ver, não é de todo normal àquela hora. Pelo menos antes de um cimbalino bem forte.

Bom, vamos lá deixar os rodeios, acabar de acordar e explicar de uma vez por todas a razão de atitude tão extraordinária àquela hora da “madrugada”.

O que de facto o meu marido pretendia demonstrar-me era a dificuldade que vinha a sentir em dormir comigo!

Vá lá, não se ponham para aí a imaginar coisas!

É!!! Cambada de gente maldosa que só está bem a imaginar o mal dos outros!!!!

Não é nada disso. O problema está no número de utilizadores da cama em simultâneo!

Pronto. Lá está o pessoal todo a configurar, nas suas mentes libidinosas, movimentadas orgias protagonizadas por indivíduos da 3ª idade. Dava até um bela tese para um eventual ex-futuro sexólogo….

Vou explicar rapidamente ou estou a ver que posso causar perturbações irreversíveis em alguns dos meus leitores. Tanto mais graves quanto maior a vastidão da sua capacidade imaginativa. E eu não quero isso!!!

É que mesmo depois de o meu marido se ter levantado, a cama continuava ocupada por mim, embora encostada mesmo à beirinha, quase a cair; pelo Zorba, o meu gato de quinze anos que adora dormir encostado à minha cara e com a patita sobre ela (de referir que é um bosques da Noruega que são, normalmente, gatos bastante grandes pelo que “patita” é um eufemismo); pela Luna a minha gata invisual (também Bosques da Noruega) que dorme sempre em cima de mim, na curva da minha cintura e que se vai reorganizando sempre que mudo de posição, e o Envy que é um gatão alaranjado, super-mimalho e que adora vir, pelo menos terminar as suas noites encostado à dobra da minha perna ou à minha barriga. O que é preciso é que esteja mesmo encostado; que me sinta.

Ou seja, realmente tive de admitir que o espaço sobejante, no qual era de supor que o meu marido dormisse de forma confortável, não era lá muito nem muito convidativo dada a irregularidade dos campos que os gatinhos ocupavam! E se por um lado, a mim, nada disso me perturba, já a ele o incomoda um pouco sobretudo quando precisa de mudar de posição.

Já não é a primeira vez que o meu marido ao virar-se na cama, o que faz frequentemente de forma algo repentina, puxa o edredão que, ao esticar-se, faz com que a Luna, por ser a mais leve e se encontrar num “topo”, saia em voo picado e vá aterrar no chão. A verdade é que também não é coisa que a afecte muito dado que, passado aquele primeiro momento de surpresa e de acordar repentino, lá refaz a sua escalada retomando o seu lugar no poleiro, que sou eu…

E agora? Fazer o quê? Eu proponho a compra de uma cama maior! É que estes são apenas três dos meus muitos gatos… E todos eles são super-mimalhos e muito ligados às pessoas.

E aqui para nós, tirando alguns momentos, claro, dá-me um prazer especial fazer deslizar a minha mão pelos seus pêlos macios (estou a falar no dos gatinhos, os do marido são menos macios se bem que também proporcionem uma sensação assaz aprazível. Mas não vamos por aí) e sentir aquele ronronar reconfortado e reconfortante ainda que meia a dormir…

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sentir

(Imagem: "Espelho do sentimento" fotografia de Maria Celeste Pereira)

Por vezes torna-se tão difícil escrever o que sinto…

Nem mesmo sei mostrar o meu sentir.

E senti-lo-ei?

O sentimento oculta-se, escoa-se (não o sinto…),

para voltar depois, em força, e tomar conta de todo o meu eu.

Tomará?

Quando o quero apresar, dissecar, entender, transpor...

eis que se escapa para lugares recônditos de mim,

que não consigo descobrir…

Será?

De mim?

Procuro-me. Viro-me de todos os avessos. E nada encontro.

Nem uma lágrima, nem um sorriso, nem uma saudade, nem uma paixão, nem eu…

Porque será tão difícil entender o sentir?

Porque será tão difícil sentir o entendimento?

Porque me é tão penoso sentir se nem sequer sinto?!!!

sábado, 24 de outubro de 2009

Breve distância



E hoje em que as distâncias não contam, as lonjuras se fazem vizinhança, o tempo corre célere e tudo se passa naquele segundo exacto.

Hoje, em que as ausências não contam, em que as saudades se mitigam na hora em que se ouve a voz, aquela voz querida.

Mesmo hoje, gostaria de te olhar nos olhos, de perscrutar o teu sentir, de te ouvir subir as escadas, de cheirar o teu perfume, de te sorrir, de te sentir…

Mesmo hoje, sendo perto, é tão longe…

E sendo breve, é tanto tempo….

O Tempo


E chegou a chuva!

Veio sem timidez nem fraquezas.

Chegou com a urgência de quem lutou para chegar,

de quem chega porque se lhe achegou o tempo.

Pois. O tempo.

Esse,

que seguramente a incentivou a correr,

a desamarrar um novo tempo.

Esse,

que na sua volubilidade,

indolente ou ligeiro,

doce ou vivamente enfurecido

nos vai arrastando as existências ao seu sabor,

ao sabor do tempo.