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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

“Ilha Teresa” de Richard Zimler



Mais um livro deste autor que li quase de um fôlego só.
Completamente diferente dos seus livros de pendor histórico, como é o caso de todos os que descrevem a saga da família Zarco, dos quais, aliás, sou apreciadora indefectível, surpreende-nos exactamente por essa diferença e pela forma excelente como Zimler se movimenta num registo bastante distinto. Interessantíssimo!
Não lhe encontrei também semelhanças substantivas com “Trevas de Luz”, “À Procura de Sana” ou “Confundir a Cidade com o Mar”.

Neste livro o autor aborda temas actuais, difíceis, penosos e delicados, com leveza e sensibilidade, sem contudo deixar transparecer qualquer laivo de superficialidade no seu tratamento.
É, por exemplo, o caso da inadaptação social devida ao facto de se ser diferente numa escola, numa sociedade, num país. E todos nós sabemos quanto essa diferença é difícil de gerir e quão esmagadores podem ser o sofrimento e a exclusão que essa inadaptação acarreta, sobretudo se tivermos em conta que estamos a falar de jovens.

Teresa é uma adolescente de quinze anos, portuguesa, de Lisboa, que se vê de um momento para o outro a viver nos subúrbios de Nova Iorque com o seu pai, a sua mãe e um irmão. É uma rapariga inteligente, sensível e, certamente também muito devido a essas características, desajustada e presa num mundo só seu, na sua “ilha”.
E sofre. Sofre por ela, pelo irmão, pelo desmazelo da mãe, pela perda do pai e.. por amor.
Tem um único amigo, Angel, um brasileiro de dezasseis anos, também ele diferente, também ele vítima de preconceitos, também ele marginalizado e excluído.
Ambos gostam de John Lennon que é para Angel um ícone incontornável. Ambos decidem ir “em peregrinação” ao Memorial Strawberry Fields Forever, em Central Park, no dia em que se recorda o assassinato do ex- Beatle, 8 de Dezembro (de 2008). E será este o dia que determinará a grande mudança nas suas vidas.

Zimler adopta um tipo de linguagem peculiar mas inteiramente adequado à sua personagem narradora. Fluente, claro, ligeiro, jovem e muito, muito irónico. Teresa é possuidora de um sentido de humor inteligente e cáustico. Dá a ideia, às vezes, de ironizar para tapar as lágrimas. Quem sabe?
Quem, como eu, está familiarizado com a escrita de Zimler encontrará aqui uma outra forma de expressão literária que não desmerece em nada a habitual, É sim um exemplo da sua capacidade de ajustar o discurso escrito às necessidades mantendo a sua individualidade e as características específicas da sua escrita. Em suma, o seu estilo.

O enredo é desenvolvido de forma descomplicada e agradável. Não é exageradamente directo, o que poderia retirar ao leitor a sua participação na construção da história, sem contudo ser exaustivo e redundante nas explicações que dá não correndo assim o risco de ser enfadonho. Está, na minha opinião, na medida certa.
Prende irremediavelmente o leitor desde o início. Aliás, este é levado, pela mão de Teresa, a percorrer anseios, inquietações, a sofrer, a amar, a perder, a caminhar nas dúvidas, a afundar-se e a regressar à superfície tal como sucede com a personagem (as personagens). 
Teresa uma adolescente isolada, em ruptura com o mundo mas que é, no fundo, uma mulher forte, de garra, como tantas outras personagens mulheres que Richard Zimler tem construído.

Mais um livro a não perder. Se ainda não o leram, não tardem. Vale a pena. 

A ler também aqui, no número 3 da Revista-Me, com uma breve entrevista ao autor.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

De António Nobre



Dizendo um pequeno excerto de "Viagens na minha Terra" de António Nobre da obra "Só" muito bem acompanhada pelo Pedro Lopes ao piano e pelo Miguel Motta na voz.


Nota importante:

Porque percebi que algumas dúvidas se colocaram nos espíritos dos mais atentos, cumpre-me informar que não, não me encontrava ajoelhada... O Miguel é que é mesmo assim, daquele tamanho.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A gata branca

Era uma gata belíssima aquela que me apareceu no caminho logo no primeiro dia em que, da área da piscina, me dirigia ao meu quarto.

Estranhei a sua magreza. Contudo mantinha um porte altivo, uns olhos brilhantes que pediam algo. Dirigi-me a ela com palavras doces mas a gata branca, imaculadamente branca, embora não fugisse, não confiava. Ia-se aproximando mantendo bem alerta todas as suas defesas. E o seu olhar pedia algo. Fui ficando por ali conversando com ela, sentada no chão, numa tentativa de me aproximar. Gostaria de a acariciar. Não consegui.

Quando estávamos apenas as duas, entendi o desespero daqueles olhos. De sob o passadiço de madeira onde ambas nos encontrávamos, começaram a surgir, se bem que muito desconfiados e sempre prontos a esconderem-se, seis lindos gatinhos pequeninos. Os seus filhos! Eram ainda mais pequenos do que a provável idade lhes imporia pois estavam, também eles, magríssimos.

Fui buscar uma tosta mista que tinha pedido para o almoço e, partindo-a aos bocadinhos pequenos, deixei-lha para que comessem. Devoraram-na sofregamente sob os olhares atentos daquela gata branca que apenas comia aqueles que lhe colocava na sua frente e não os que lançava para junto dos filhos, um pouco mais longe.

Era uma cena de ternura aquela que eu presenciava se bem que embrulhada numa enorme nuvem de tristeza.

Sempre que pressentiam alguém os pequeninos escondiam-se assustados e a mãe, embora não fugisse, sempre elegante e altiva, deslumbrante na sua brancura, mantinha uma distância segura de quem passava.

Tive que ir. Não queria passar o meu primeiro dia de férias sentada num passadiço de madeira a olhar para algo que me arrefecia o ânimo.

Não sabia qual a política do hotel em relação à permanência de animais nos seus vastíssimos espaços exteriores, mas a magreza e o temor revelado por aqueles sete animais não prenunciava nada de bom.

O melhor seria mesmo manter silêncio acerca deles.

sábado, 3 de setembro de 2011

Crónica de uma saudade anunciada


Primeiro foram aqueles tempos sem tempo em que os dias passavam por mim (ou seria eu que passava por eles?) sem que, verdadeiramente, as horas se distinguissem. Tempos em que as horas me prendiam e se enredavam e me enredavam, e me atrapalhavam, e se confundiam e já nem eram horas de tão enredadas…

Além disso havia aquela névoa familiarmente estranha que me turvava o pensamento, o sentir, impelindo-os para dentro, sempre para mais adentro, ali bem para aquele local onde se arquitectam todas as mágoas.

Seguiram-se tempos de incertezas: Aquilo que hoje era, amanhã era-o também apenas com um subtil aroma de dúvida. Tudo que hoje mais queria, amanhã já não desejava, tinha-lhe até medo. Todas as emoções que hoje me ardiam se quedavam extintas no mais logo do amanhã.

E assim se foram desenrolando uns tantos hojes e ontens ainda recentes, nos quais se sonhavam os já saudosos amanhãs.

Finalmente as certezas. Irias partir! Irias perseguir o teu futuro bem presa na força da tua vontade. Irias voar nas asas da tua coragem. E viverias outros ontens, outros hojes e sonharias outros amanhãs que não aqueles que eu costumava partilhar contigo.

Mesmo assim, mesmo presa nas escamas da saudade, estarei orgulhosamente, hoje, a torcer para que todos os teus amanhãs sejam tudo aquilo que de mais belo imaginaste.

Por vezes amar dói tanto!

Nova Iorque, 18 de Julho de 2011