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domingo, 19 de dezembro de 2010

Concerto para violino e orquestra

Piotr Iliych Tchaikovsky

Levada pelos doces gemidos do violino,

solto a alma,

perco-me de mim.

Derivo, solta e delicada, por entre trilhos esquecidos

até que sou arrebatada pelas marés vivas da orquestra.

Abraça-me um arroubo de sons inebriantes.

E reinvento caminhos.

Toco a imponderabilidade.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Delírio


(Imagem daqui)

Estou em delírio!
Agito os braços quietos num frenesi
-metafórico-
e sacudo as pernas suspensas na cadeira
enquanto esfrego os apensos pés um no outro
- não tão metaforicamente - confesso.
Que inquietude!
Caí sem pára-quedas numa sala familiar que mal reconheço,
semeada de gente que não quero conhecer
mas que insiste em derramar, sem qualquer temperança,
cargas de sabedoria que não procuro,
embrulhadas em discursos palavrosos que não entendo.
Esses, os eruditos,
soçobram sob o peso de livros, cadernos, folhas amarrotadas e sujas
que alardeiam a cultura maior, a sapiência no seu expoente máximo.
E eu, DISTANTE. distante. distante.
Fujo, em delírio.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sob o salgueiro


(Fotografia de Mestre Eduardo Teixeira Pinto - "Outono")

Sob o salgueiro de ramos despidos
pingando em desalentos sobre as lajes,
estende-se uma velha corda.
Tão triste…
E a roupa que dela pende,
tão triste…
tão lavada de esperança,
tão à mercê do vento e da sorte.
Nem o brilho da ardósia molhada pelas lágrimas do tempo,
nem a erva vadia, sem raça, que se intromete
numa promessa de verdes pálidos,
nem o cinza azulado das águas do rio
que correm para a foz numa urgência de vida,
lhes aliviam a desesperança.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imagine



Para recordar!

Completam-se hoje trinta anos do assassinato de Lennon à porta dos seu apartamento de Nova York às mãos de Mark David Chapman.

Imagine!!!!

domingo, 5 de dezembro de 2010

Ausência

(Imagem daqui)

A ausência que deveras me dói

é a que se instala no vazio de ti.

Abre brechas na pele, na carne, nas entranhas,

deixando um sulco de sal que arde em mim.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Não chegava


Só hoje arranjei coragem para aqui deixar este registo. A coragem que vem com a saudade...


Não chegava.

Não, não era ainda suficiente a inquietação dos dois últimos dias.

Os picos de medo, de ansiedade, o desassossego permanente.

Não chegava a agonia que sentia colada à pele ao regressar.

Não.

Afinal não chegava.


Aguardava-me algo que nem sonhara.

Aguardava-me a urgência teu olhar, Carlota.

Estranho olhar esse como se estivesses feliz mas angustiada.

Como se sentisses alívio mas te mantivesses assustada.

Como se esperasses tudo mas sem contar ter nada.

Estranho olhar esse, Carlota!


Estranho olhar esse, Carlota, que me deu logo a perceber

aquilo que, em verdade, me recusei saber.

Despedias-te de mim. Eu sabia.

Pedias-me ajuda. E eu queria.

Querias conforto. E eu não conseguia.

Consegui apenas fixar os teus olhos, Carlota,

afagar-te mimar-te, beijar-te enquanto te via rastejar,

enquanto te ouvia ronronar,

enquanto te levava, a chorar.


Estranho olhar esse, Carlota, que te vi quando te deixei.

Estou certa, Carlota, que me dizias que nunca mais te olharei…


2010-08-12

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Delicada textura de seda


(Imagem da autoria de Miguel Ministro que faz parte da ilustração do livro "Bordar a Vida")

Acordo inquieta.
Ajoujada sob o peso de culpas ignotas,
transida por medos que me calcam o peito
e transformam num acto crítico
o mero exercício de respirar.
E, à medida que abro os olhos, devagar,
e acordo para a lisa transparência da manhã,
tomo consciência de uma delicada textura de seda
que me afaga os dedos, o rosto…

E acordo,
agora já sem medos,
com as culpas banhadas pela claridade,
ainda que envergonhada,
que lhes confere indulto imediato,
feliz pelo afago doce dos meus gatos
a quem acaricio suave e lentamente enquanto sonho.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010




É já esta sexta-feira!!!!!

Se puderem, não percam. O livro é uma pequena jóia. E a apresentação será como só pode ser, excelente.

Eu terei a meu cargo as leituras.

“O Tigre Branco” de Aravind Adiga


Pois bem, mais um livro que comprei por indicação de Valter Hugo Mãe e que faz parte de uma lista de obras a debater nos encontros da Comunidade de Leitores da Biblioteca Almeida Garrett.
Se, de uma forma geral, como já disse, não sou grande apreciadora de orientações em relação ao que devo ler – gosto de escolher e decidir o que leio – a verdade é que me vou afeiçoando à ideia de não ter que pensar no assunto e ir a reboque de outros. Estou a ficar uma preguiçosa!!!!
Bem, pelo menos posso sempre responsabilizar outros se achar que foi tempo perdido.

A verdade, porém, é que isso ainda não aconteceu.
Desta vez li “O Tigre Branco” de Aravind Adiga que foi Man Booker Prize 2008. E gostei muito.

Sob a forma de carta endereçada ao primeiro ministro chinês (está tão na moda, a China…), um “empresário” indiano vivendo em Bangalor faz um relato impressionante da sua vida que mais não é que a vida de um lado da Índia que nada tem a ver com o brilho do desenvolvimento de tecnologias de ponta que é bandeira dessa cidade. Aquilo que o autor chama de “escuridão”. A Índia rural, miserável, paupérrima, das castas, da sordidez mas também a de Deli, não menos miserável, não menos sórdida, de uma classe dominante rica e profundamente corrupta e do abismo profundo que separa estas duas “Índias”.

Sob uma forma irónica por vezes aparentando ingenuidade assistimos a uma análise profundamente mordaz da sociedade indiana.
Sem grandes subterfúgios literários, escrito com aparente simplicidade, não deixa, contudo, de impressionar o leitor e de o obrigar a um exercício de reflexão acerca do que são, ainda hoje, sobretudo hoje, as profundas assimetrias sociais que grassam por todo o mundo. Provavelmente mais evidentes nuns poucos países em grande desenvolvimento(?) que correm o risco de ser as grandes potências mundiais (económica e financeiramente falando) dentro de muito pouco tempo.
Dá que pensar.

domingo, 7 de novembro de 2010

À mesa éramos tantos!


("La conspiration des chats" de Louis Wain)

À mesa éramos três.
Três e um silêncio que cobria tudo
e nos ensurdecia com a sua estridência.

À mesa éramos só três
e os pratos e os talheres e os copos e…
Éramos três mas em cada cadeira se sentia ausência.

À mesa éramos ainda três
e o cansaço, o esquecimento, a fadiga,
o tédio, o desamor, a descomunal impaciência.

À mesa éramos tantos...

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Lindo!!!


(Imagem daqui)

Epitáfio

Ya somos el olvido que seremos.
El polvo elemental que nos ignora
y que fue el rojo Adán y que es ahora
todos los hombres y los que seremos.

Ya somos en la tumba las dos fechas
del principio y el término. La caja,
la obscena corrupción y la mortaja,
los triunfos de la muerte y las endechas.

No soy el insensato que se aferra
al mágico sonido de su nombre;
pienso con esperanza en aquel hombre
que no sabrá quien fui sobre la tierra.

Bajo el indiferente azul del cielo,
esta meditación es un consuelo.

(Jorge Luís Borges)

“Livro” de José Luís Peixoto


Acabei agora mesmo de o ler (ontem).
Absolutamente delicioso. E quando digo delicioso refiro-me ao gozo que dá saborear um fruto maduro. Foi mesmo essa a sensação com que fiquei, a de me ter deliciado com algo suculento e rico.

Tenho acompanhado a obra de José Luís Peixoto, os romances e a poesia, e, honestamente, tenho gostado muito. É já, na minha opinião, um grande valor da nossa literatura.

Neste “Livro” consegui encontrar a mestria que já conhecia associada a uma subtil maturidade evidenciada na forma como José Luís Peixoto esgrime a palavra. Esta mestria está patente em todo o livro mas é mais evidente ainda na sua segunda parte. Aqui, José Luís Peixoto, num registo um pouco diferente do resto, autenticamente brinca com a forma e o tempo proporcionando-nos um trecho de uma criatividade incrível em que revela um domínio completo da prosa.

Ao caminhar de mão dada com um punhado de personagens que me são tão familiares, conheço-as todas, vou vivendo os seus amores, os seus medos, as suas frustrações, os seus êxitos, as suas necessidades… Vou crescendo e envelhecendo dentro delas e, ao mesmo tempo, sem que as sinta truncadas nas suas características próprias, ou sem que se pressinta qualquer pretensão de romance histórico, vou revivendo um período que foi também o meu, o do êxodo de tantos portugueses para outros países. Para a França, sobretudo, como tão bem aqui é retratado.
Com um denominador comum que é “O Livro” (o qual acompanha fisicamente algumas personagens ao longo dos anos e que é por si só, ao mesmo tempo personagem, objecto, autor e enredo), lá nos vemos a braços com a vontade de viver melhor, a fuga a uma guerra que não era a de ninguém, os amores contrariados, a negação do obscurantismo, a prepotência do poder, a luta, o desencaixe social sobretudo de uma segunda geração…

Enfim, revisitei a vida de tantos que eu conheci nos anos setenta, de tantos que todos conhecemos, revelada aqui de uma forma, como já disse, belíssima.

A não perder.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

“Somos o esquecimento que seremos” de Hector Abad Faciolince

Li este livro não por escolha minha mas porque era o primeiro de uma lista proposta por Valter Hugo Mãe para uma comunidade de leitores que se reúne quinzenalmente na biblioteca Almeida Garrett. Embora não seja muito apologista deste tipo de “leituras orientadas”, gosto de escolher o que leio, achei que seria interessante assistir ao debate até para entender se a minha percepção do que leio anda muito distante da da restante comunidade de leitores.
Este ciclo de leituras tem por tema “vozes universais” e, obviamente, sugere uma série de autores estrangeiros (o ciclo anterior tinha sido apenas de autores nacionais) que me pareceu interessante.

Bom, mas vamos ao que interessa. Li o livro e, sobre ele, gostaria de dizer alguma coisa.
Gostei do tipo de escrita. Descomplicado, coloquial, talvez até a pender um pouco para o jornalístico (datas muito precisas, nomes, factos muito concretos…). Extremamente simples na forma de comunicar a rondar até uma certa ingenuidade, talvez.
É certo que o tema facilita essa simplicidade e essa forma naíf de colocar as questões. É um livro autobiográfico que expõe de uma forma muito pungente e muito aprofundada a relação “exageradamente” estreita que o autor manteve com o pai e este com o filho.
É comovente (quase a tombar para o piegas) apreciar a estreiteza dessa ligação pai/filho mas, sobretudo, apreciar a imagem que o filho faz perpassar do pai: o homem de boa figura, médico, professor, com uma postura perante a vida, perante os outros, que o distingue. É afectuoso e não receia mostrar os seus afectos, honesto, íntegro, lutador. Mas também sem um pingo de sentido prático e um pouco machista na sua forma peculiar de o ser.

Esta, julgo eu, é a mensagem que o autor mais se empenhou em transmitir. A homenagem póstuma, merecidíssima, que quis prestar ao seu pai. Mas, para mim, o livro teve um valor muito maior (sem querer diminuir o efeito anterior). Introduziu-me na história próxima da Colômbia da qual pouco conhecia.
Uma história recheada de momentos negros, de lutas, de prisões políticas, de torturas, de assassinatos a soldo que eu nem sequer suspeitava.
Curiosamente, passei férias na Colômbia há cerca de quinze anos e lembro-me de ser um destino barato em relação a outros das Caraíbas. Na ocasião entendi que seria pela violência que grassava por todo o país, sobretudo em Medelin que (ingénua se bem que não completamente distraída, convenhamos)eu atribuía às lutas intestinas provocadas pelos cartéis da droga. Ora como eu não tinha nada a ver com o assunto… Percebo agora que era bem mais do que isso como se apenas isso fosse pouco.

Enfim, voltando ao livro. Gostei, sem dúvida, mas não me impressionou da mesma forma que a outros leitores segundo verifiquei no dia do encontro/debate. Não fui tocada pelo mesmo grau de emoção.
Porém considero um livro a ler e não uma perda de tempo. Será que não os considero assim a todos???

Apenas mais uma curiosidade. O título é retirado de um poema de Jorge Luís Borges (de quem gosto muito) do verso que diz “já somos o esquecimento que seremos” e se chama “Epitáfio”. Lindo!

domingo, 3 de outubro de 2010

“A Febre” de Le Clézio


Era um livro que eu já tinha em casa há pelo menos dois anos e que ainda não havia lido. Na realidade o livro é da minha filha e foi-lhe oferecido exactamente no ano em que Le Clézio foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, em 2008. Provavelmente por essa mesma razão. E foi exactamente essa a razão que me levou a lê-lo. Isso e o facto de ter gostado de “A música da fome” julgo que o único livro que já havia lido do autor.

Devo dizer que não me deixou tremendamente impressionada. Longe disso.
É um livro de pequenos contos que, logo à partida, não fazem o meu género de leitura preferida. Têm de ser mesmo arrebatadores para me entusiasmarem. Julgo eu que, pelo facto de serem tão curtos, não me dão tempo para me entusiasmar. Fico sempre com algum desconsolo, à espera de mais. Manias…

Bom, como disse é um conjunto de nove contos que abordam o fantástico ou o fantasioso. Não o fantástico, tão em voga actualmente, povoado de seres mais ou menos imaginários e imaginados (vampiros, fadas, duendes, super-heróis e quejandos), seres que povoam a fantasia num plano que nos é extrínseco.
Não. É o nosso próprio fantástico. Aquele que habita em nós e que é despoletado por um factor “sem importância” tal como um episódio de febre... ou qualquer outro.
É toda a fantasia que povoa o nosso íntimo (que nos é intrínseca) embora muitas vezes não nos demos conta da sua existência.
Ela existe e é despoletada através dos nossos pensamentos, sonhos, emoções, sentimentos mas também da nossa pele, olhos, ouvidos, boca, nariz, enfim, das nossas sensações. E, uma vez despoletada lá vamos nós vogando em viagens que mais não são do que fantásticos delírios febris.
E é precisamente desses delírios que nos dão conta os nove contos que constituem este livro que evidencia uma excelente qualidade literária no que respeita à forma da escrita.

Desses nove destaco dois dos quais gostei particularmente: “Martin” e “Um dia de Velhice”

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Julgo que dar a conhecer e enaltecer os valores nacionais nesta área será uma boa forma de assinalar o Dia Mundial Da Música...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Lembras-te?


A Carlota e o Calvin há tanto tempo...

Lembras-te Carlota?

Claro que lembras. Como o poderias esquecer!? Daquele dia em que, pela primeira vez vos trouxe um daqueles brinquedos que se penduram em algum lado e exibem, na ponta, algo muito apelativo para vocês brincarem?

Era um passarinho muito colorido, de fartas penas, que saltitava no fundo de um elástico o qual prendi no puxador da porta da cozinha.

E que desconsolada que eu fiquei!

Foi sempre um dos brinquedos preferidos de todos os bebés felinos cá de casa e tu, chegaste-te próximo, cheiraste-o, olhaste-o com algum desprezo (foi o que me pareceu…) e viraste costas com toda aquela pose que te caracterizava já nessa altura.

O teu irmão, porém, mal viu aquele objecto ali ao dependuro, entregou-se afanosamente à árdua tarefa de o resgatar.
E abocanhava, e puxava, e esticava o elástico até não dar mais de si. Até que, não aguentando a força que tinha de fazer (era tão pequenito, ele!) o largava e retomava tudo desde o início.
Tu, esperavas sentada uns bons passos atrás e mirava-lo desdenhosamente, com pena até. Pelo menos era o que me parecia…

De repente levantaste-te, caminhaste decididamente até ao brinquedo, mantiveste-o parado com as unhas de uma patinha e, calma e eficientemente, com os dentes, cortaste o elástico e depositaste o “passarinho” em frente ao teu irmão que assistia atónito e sem coragem de interferir.
Retiraste-te depois, altaneira e indiferente e, tenho quase a certeza que apenas não abanaste a cabeça de incredulidade e algum desdém, creio, por mero pudor e educação.

Lembras-te? Como podias ter esquecido!

O Calvin (o teu irmão), esse, ficou estupefacto, absolutamente desolado e com ar de quem não entendeu coisa nenhuma. É certo que tinha o brinquedo ali mesmo à mão, perdão, patinha de semear mas a verdade é que este não tinha já metade da piada.
Ainda lhe deu uns empurrõezitos, umas cheiradelas, para te fazer o jeito julguei eu, mas rapidamente perdeu o interesse.

Tive pena dele. Tão pequenino que ele era. Lembras-te Carlota? Como ele dependia de ti para tanta coisa!

Querias ensiná-lo porém ele não estava preparado para aprender o que tu já tão bem sabias.

Amarrei as duas pontas do elástico com um nozito e lá refiz o brinquedo quase com a perfeição original embora um pouco mais curto.

E como ficou contente o Calvin!

Não tardaram dois minutos já ele se agarrava de unhas e dentes ao “passarito”, de penas amolecidas de tanta dentada, esticando o elástico até o perder... para de novo o ir buscar.

Mais uma vez chegaste à cozinha, apreciaste a cena durante uns breves minutos até que, com ar complacente mas professoral, voltaste a cortar o elástico com os dentes e depositaste o brinquedo junto do Calvin.

E eu, Carlota, lembras-te? fartei-me de rir e atrasei o jantar indefinidamente nesse dia . E que orgulhosa estava. Como eras esperta!

O Calvin voltou a não achar piada nenhuma, pareceu-me e, mais uma vez se desinteressou.

E a brincadeira repetiu-se várias vezes, que paciência!!!! até que já não tinha mais elástico para dar nó.

Ainda te lembrarias Carlota? Eu não pude nunca esquecer…

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

“O Dia dos Prodígios” de Lídia Jorge


Reparei há pouco tempo que, embora conhecesse já a grande maioria da obra publicada por Lídia Jorge, da qual gosto bastante, não havia ainda lido o seu primeiro livro e aquele que, segundo o que me fui apercebendo, a trampolinou para o patamar dos grandes escritores da língua portuguesa.

Ora como ando em fase de ler as obras dos autores por ordem cronológica de publicação (vá-se lá saber porquê… a mania mais recente, talvez) pareceu-me esta falha um despautério tal que teria de ser imediatamente corrigida pelo que, também este, levei para ler em férias.

O livro é pequeno. A edição que li tem apenas 223 páginas que se descobrem de um sopro.
É lindíssimo e tornou-se para mim evidente a razão pela qual Lídia Jorge foi, de imediato, reconhecida como grande autora.
Os posteriores, bastante diferentes na sua forma, diga-se, vieram apenas confirmar o que este havia deixado bem patente.

A história, algo romanesca, passa-se num povoado algarvio de nome Vilamarinhos. Os seus habitantes, sobretudo velhos e mulheres, viviam enconchados em si próprios, nas suas crenças e no seu imaginário de mitos e fenómenos que eles próprios criavam a partir do acontecimento mais comezinho.
Duas mulheres, quanto a mim, protagonizam a parte mais curiosa da mensagem; a Carminho e a Branca.

De escrita muito incomum, utilizando termos e formas de oralidade local (é essencialmente dialogado) vai-nos, utilizando este povo como metáfora, descrevendo a gente portuguesa do antes do 25 de Abril que aguardava algo, um sinal, um fenómeno que a arrancasse do isolamento, do marasmo, do obscurantismo, da fantasia forçada, do embotamento que a afligia.

Tal como a morte da “cobra alada”, “o dragão”, o riso da mula ou a invasão de formigas, também a revolução foi o sinal de que algo ia mudar.

Mas, no meu ponto de vista, a mensagem que mais me tocou foi precisamente a que essas duas personagens femininas acabaram por me transmitir: o futuro de cada um está nas suas mãos e não à mercê de quaisquer sinais ou fenómenos mais ou menos incomuns que o destino nos coloque na frente.

Mais uma belíssima leitura.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

“Fado Alexandrino” de António Lobo Antunes


Este ano passei as minhas curtíssimas férias com dois belíssimos acompanhantes. O marido, sempre a melhor companhia de todas, e o “Fado Alexandrino”.
Companhias distintas, é certo, mas ambas excelentes.

Já acabei de ler o “Fado Alexandrino” (o marido mantém-se...) há uns tempos. Acabei-o ainda em férias e estas já terminaram há algumas semanas. Na verdade, não me tinha apetecido ainda escrever nada sobre ele. É que o impacto da sua leitura é tal que receio que tudo o que possa dizer a seu respeito venha a ser disparatado. Se não por outra razão, por supérfluo.

Mais um livro absolutamente cativante.
E não, não é pela originalidade do seu enredo. Na verdade ALA desenvolve um tema recorrente na maioria dos livros que li dele; as memórias da guerra e a forma como ela acabou por influenciar os percursos de vida de quem por lá passou.

Dito desta forma poderemos ser levados a pensar que, enfim, li mais do mesmo.

Nada disso!
Embora, como já disse, o assunto não seja novo, a verdade é que é explorado sempre de forma diversa.

Neste caso, ao longo das 715 páginas que constituem o livro, vamos acompanhando os desabafos que quatro (cinco? Tenho dúvidas em relação ao capitão, personagem apenas ouvinte)personagens, antigos combatentes em Moçambique de patentes diversas (do soldado ao general), num jantar de batalhão que teve lugar dez anos depois de terminada a guerra colonial, já completamente ébrios de vinho e de mágoa, vão desdobrando.

Bem, na realidade, quem tem que desdobrar e recompor o puzzle que é a escrita deste livro somos nós, os leitores. Confesso que foi dos que me criou maiores dificuldades em relação ao encaixe de todas as peças.

É que, embora esteja escrito numa linguagem de matriz eminentemente objectiva, as constantes interrupções e/ou descontinuidades discursivas entre os diversos narradores tornam-no um rendilhado difícil de compor. As diferentes vozes misturam-se, completam-se, galgando tempos e espaços sem que se desviem daquilo que, no meu ponto de vista, é o objectivo principal; dar-nos uma perspectiva, através do percurso de vida das personagens nesse período de 10 anos, de um Portugal antes, durante e num pós/ próximo do 25 de Abril de 1974.

Tudo decorre no espaço temporal de uma noite e uma manhã. Contudo, nesse espaço de tempo desfilam perante o leitor algumas vidas com as suas voltas, as suas lutas, os seus desencontros, as suas traições… e até, curiosamente, as suas interligações. Todas se tocaram a dado momento sem que de tal se apercebessem.

No decurso de cada uma delas e de todas ALA vai abordando, sempre de forma muito cáustica, muito dura, muito grotesca (provavelmente muito real na sua ficção) instituições militares e políticas, diversos sectores da sociedade, organizações partidárias, a polícia política, as prisões, a guerra…

É uma escrita talvez algo agónica pois, as vidas que se vão desenrolando perante nós, estão irremediavelmente presas à derrota, ao desânimo, ao fracasso, ao medo. Consequência das duras vivências da Guerra Colonial? Dos tempos conturbados e algo confusos do pós 25 de Abril? Do regresso a um status sócio/politico/económico algo semelhante ao anterior variando apenas os que dele se aproveitavam?

A linguagem usada é crua, dura, sem pudores, absolutamente adequada ao que nos quer transmitir. Porém, a narrativa está eivada de metáforas belíssimas, tornando o livro uma peça literária que só alguém com a mestria do autor poderia escrever.

E finalizo com o fim! É que este livro tem, na minha opinião um final inesperado. Para mim, pelo menos foi-o. E que final!

Não será um livro para dar início à leitura do autor. Mas é, seguramente, um fabuloso exemplar da sua obra.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Arestas


(Imagem: Van Gogh, "Starry Night, drawing")

Que dia é este que não reconheço como tal?
Dia em que as arestas das palavras
Fazem divergir a claridade, envergonhada de mim.
O eco da voz encerra tudo numa baba de breu
que embrulha o dia e o leva,
embaçado também, a desejar ser noite…

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Inextinguível


Por vezes são necessárias tão poucas palavras
para lavrar um sulco tão doloroso na alma!
Nem toda a força de uma vida será capaz de o fechar.

sábado, 28 de agosto de 2010

I'll Be Back!


Estou ainda algo incrédula. Já me belisquei umas quantas vezes e fui outras tantas verificar os vouchers.

Mas, afinal, parece ser verdade:

-VOU A BANHOS!!!!!!!


Vá lá, não fiquem tristes. Além de ser por pouco tempo, I'll be back!

Aproveitem o intervalinho.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Noite de Poemia no Labirintho

Porque o Labirintho é o Labirintho.;
Porque precisamos urgentemente de muitos "Labirinthos" que nos alimentem a alma à medida que podemos regalar os palatos e conviver com amigos;
Porque irão ser apresentados belíssimos poetas naquele ambiente que podia muito bem ser a nossa casa;

Eu estarei lá...


Quarta-feira, dia 25, às 21h30



“NOITE DE POEMIA”



BRASÍLIA...POUSO A MÃO NO TEU PEITO –

OS POEMAS QUE A NOVA CAPITAL INSPIROU








Clarice Lispector, Ana Cristina César, Ruy Belo e Vinicius de Moraes

são alguns dos poetas que participam na "Noite de Poemia" dedicada

a Brasília, que se realiza quarta-feira, dia 25, às 21h30 no Bar Labirintho, Porto.

Assinalando a passagem dos 50 anos da capital do Brasil, esta sessão de poesia

revelará outras criações literárias, entre poemas e crónicas, inspiradas pela cidade

construída de raiz, em quatro anos, no Planalto Central brasileiro.


Manaíra Athayde, Carlos Jorge Mota, Celeste Pereira, Danyel Guerra e Inêz Mota

farão as leituras desta sessão que interage com a exposição

"Brasília 50 anos: Nas Raízes do Futuro", patente na galeria do Labirintho.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

“Niassa” de Francisco Camacho


Gosto, sempre que posso, de ler os novos autores que vão surgindo pois estou em crer que é neles que irá assentar o futuro da nossa escrita (obviamente) e tenho curiosidade em imaginar o seu rumo.

Por isso, mantenho-me normalmente atenta aos prémios literários que todos os anos são atribuídos. Devo dizer que, por regra, tenho tido surpresas deveras agradáveis com o que vejo surgir.

Desta feita foi a vez do romance “Niassa” de Francisco Camacho, vencedor do Prémio P.E.N. Clube Português para a categoria “Primeira Obra” em 2007.

Já o tinha cá em casa há muito para ler mas, tal como acontece a tantos outros, ia ficando em detrimento de alguns que, por uma razão ou por outra, naquele momento, se tornaram mais apelativos ou mais necessários.

Pois bem, o livro trata-se de um romance de estrutura extremamente simples; um indivíduo na casa dos trinta, residente em Cascais com um tio, com uma vida fácil e sem grande sentido que, a dada altura, decide ir em busca do seu irmão mais velho que havia ficado em Moçambique, tal como o seu pai e um outro irmão, aquando do processo de independência do país. Ele, muito jovem, (o mais jovem dos três)foi o único que ficou em Portugal não se podendo dizer, por isso, que tinha verdadeiras raízes em Moçambique.

Não se trata, por isso, de alguém que vai em busca das suas memórias. Não. Ele vai descobrindo o país ondenasceu à medida que o vai dando a conhecer ao leitor.

Bom, mas não me vou alongar na história. Deixo isso para quem for ler o livro. Apenas acrescento que o romance descreve uma viagem através de Moçambique até ao lago Niassa em que o personagem, sempre na primeira pessoa, nos vai descrevendo as pessoas, os locais, os horrores vividos por muitos, as suas histórias, a situação mais actual (que não deixa de ter os seus horrores), à medida que vai em busca do seu irmão desaparecido.

Utiliza uma linguagem simples, directa, talvez um tanto jornalística. Por vezes parece uma crónica de viagem mas outras vai muito mais além. Sem floreados estruturais sem planos justapostos ou contrapostos embora com alguns (poucos) recuos no tempo, torna-se um livro agradável de ler, ligeiro mas cativante. Quanto a mim, não tanto pelo enredo mas pela curiosidade em relação a um país que se mantém na nossa memória coberto de um véu de mistério.