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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

“Olhos de cão azul” de Gabriel Garcia Márquez

Li este livro que há já algum tempo aguardava a sua oportunidade aqui, junto de mim. Tardei em pegar nele pois, como tenho já dito diversas vezes, não me seduzem particularmente os livros de contos. Fico sempre com aquela sensação de que algo ficou no ar, sinto-me defraudada, lesada… Então, e o resto? Isto, claro está, se o que leio me agrada. Caso contrário nenhum deixa saudades e ali estou eu a dar o benefício da dúvida umas poucas de vezes até terminar o livro…

Bom, mas não foi o caso deste.

É, na realidade, um livro de contos um tanto diferente dos outros até pela sua estrutura e organização.

Os catorze contos que compõem esta edição (todos escritos entre 1947 e 1955 e publicados em 1974), encontram-se organizados por ordem cronológica de escrita. Este facto nada teria assim de particularmente importante. Contudo, ao lê-los vamo-nos dando conta que, alguns, são na realidade uma espécie de sequência de outros anteriores ou, pelo menos, uma visão diferente de um mesmo tema ou acontecimento.

Ora este facto, esta organização, enfim, esta real inter-relação entre eles, torna o todo, a meu ver, muito mais interessante.

Este livro colocou-me perante um Gabriel Garcia Márquez (Gabo, como é carinhosamente tratado pelos amigos) diferente do outro que eu já conhecia de leituras anteriores.

A prevalência de temas como a morte (tema quase constante), a difícil distinção desse ténue fio que a separa da vida, a transmigração da alma, a melancolia, a saudade de um tempo eventualmente mais feliz, a inexorável passagem do tempo… associados a um tipo de escrita quiçá um pouco gótico (?), mas também um tanto lírico sobretudo no que concerne a algumas das suas personagens femininas (?).

Enfim, algo diferente dos seus ulteriores romances se bem que, na realidade, sobretudo nos dois últimos contos me pareceu sentir, ainda com alguma subtileza, aquele romantismo presente em tantos dos seus romances. Particularmente no último lá estão bem nítidas as marcas de escrita do autor (não pretendo, de modo nenhum, reduzir a escrita do autor a estas “marcas”, apenas acho que, de algum modo, são importantes para a caracterizar); o recurso a um certo realismo mágico. O inexplicável, o estranho, o absurdo mesmo, ligados e interligados à mais prosaica das realidades.

A ler sem dúvida.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Oculto amor


Se tiveres a paciência de lenta e cuidadosamente

ires despindo, uma a uma,

as camadas de anos que envergo inevitavelmente.

Se quiseres arrancar, com cuidado,

aquilo que outrora foi seda

e hoje um pano grosso, deslavado.

Se quiseres olhar bem mais fundo,

esquecendo este corpo de mulher madura…

Vais ver, acredita, sob esse invólucro estragado,

Um amor fremente, gritante, presente que ainda dura.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Desabafo

Pois então vejam só se não é criminoso estragar este espaço!!!! Estou em prantos.

Todos os que por aqui costumavam dar uma espreitadela, há já um bom par de anos, se devem ter apercebido de como gosto do meu Health Club. É verdade. Gosto mesmo muito do meu Health Club e… bem, da minha médica de família também.
Havia já algum tempo que eu apenas passeava o meu cartão para cá e para lá (é verdade Susana, sou das que preferia que apenas a posse de um cartão já trouxesse benefícios físicos…) sem que, na verdade, me decidisse a exibir o corpinho e pô-lo a trabalhar.
Verdadeiramente este meu desertar deveu-se a uma série de constrangimentos familiares, de saúde e outros. O que é certo também é que lá se foram dissipando os tais constrangimentos de saúde, os familiares foram-se organizando e encaixando no dia-a-dia restando apenas os outros, a omnipresente e imensa preguiça que me tem acompanhado fielmente em todos os momentos da minha vida.
Até que, vejam só, na semana que passou decidi (sou uma mulher de decisões desde que não seja para ter muito trabalho) reverter a situação. Arrumei o cartão (perdi-o) e toca a fazer hidro e natação como se não houvesse amanhã.
Dá para perceber que tal como do Health Club e da minha médica de família gosto também muito de água. E quem diz de água diz também de descansar entre natações e aulas num belíssimo jardinzinho de inverno onde cultivava a mente lendo o meu eterno livro (que são vários, obviamente, era uma pequena metáfora apenas para dar um ar mais rico à prosa).
Hoje, para não destoar, lá fui eu à minha aulita de hidro que é, por acaso, a mais mortífera da semana mas também aquela de que gosto mais. Vai na volta sou discípula de Leopold Ritter von Sacher-Masoch e nem sabia. A senhora que dá a aula, por outro lado, é sem dúvida seguidora do Marquês de Sade saiba-o ela ou não.
Terminada a aula e lamentando-me da falta de tempo para o cultivo da mente já que o corpo estava por demais amanhado vim a saber que o meu espaço favorito no clube, aquele onde posso estar, ora estendida ora deitada, a absorver mesmo os raios de sol mais envergonhados que o Inverno traz, iria ser transformado numa sala de cycling!!!!!
Confesso que não estava preparada para tal! Fiquei arreliada e preocupada. Mas será que aquela gente não arranja outro sítio para plantar as biclas sem estragar parte daquilo que distingue o Meu Heath Club de um ginásio qualquer?
Ó senhores! Digam lá para onde vai o conceito de bem-estar integrado?!
Mas isto é só “malhar”?
Fiquei preocupada, vim preocupada e ainda estou preocupada.
É que eu sou uma mulher fiel e não estou disposta, com esta idade, a ter de trocar de Health Club (nem de médica de família e também, já agora, nem de cabeleireira). Mas frequentar um ginásio que seja apenas para ir “malhar” e vir embora sem qualquer outro benefício foi peditório para o qual já dei, não resultou e não estou disposta a repetir.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

“As Núpcias” de Natália Correia

Foi este o primeiro romance que li de uma autora de quem já conhecia e gostava da poesia e de algum teatro. Para além disso admirava-a enquanto mulher que traçava objectivos, definia metas e com coragem, desassombro, determinação, irreverência e uma boa dose de provocação, tudo fazia para as atingir.


Curiosamente ou casualmente ou sei lá porquê, comecei pelo último que escreveu já bem próximo do fim da sua vida.


Gostei muito. Não digo que tenha sido uma agradável surpresa pois de surpresa não teve muito. Não contava desiludir-me com uma autora de quem já apreciava outras facetas. Mas, às vezes, acontece…


É um livro apaixonante. De paixão e sobre a paixão mais avassaladora, a que nos pode conduzir à própria morte.


Apresenta-nos uma narrativa intrincada, algo perturbadora, exibindo vigorosamente uma faceta mística e espiritual. Aborda o sagrado e o profano a par do incesto e do andrógino.


André e Catarina, irmãos, vão protagonizando nos tempos actuais o velho mito de Isis, irmã e esposa de Osiris.

O avô de ambos, já morto, tê-los-á feito herdeiros de uma velha Sabedoria, guardada no templo. Essas Ensinanças, organizadas em livros ordenados do I ao XVI vão surgindo por entre a narrativa, transportando-nos através de uma vida que é de outro reino de um mundo com outra ordem, com outros sentires…


A narrativa é uma verdadeira prova de forças que as personagens têm de travar na luta por uma paixão proibida.


Como pano de fundo, escolhe uma família burguesa no rescaldo do pós 25 de Abril que, obviamente, ridiculariza como ela tão bem sabe fazer nos pormenores mais triviais.