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terça-feira, 17 de agosto de 2021

Oração a que faltam joelhos de Jacinto Lucas Pires



 

        Acabei de ler este livro que me deixou com sentimentos, se não contraditórios, pelo menos algo ambíguos. 

        Em primeiro lugar quero dizer desde já que gostei muito do livro. Gosto muito do tipo de escrita e da forma como se vão desenrolando as imagens ora cruas, ora poéticas,  pejadas de metáforas simples mas tremendamente eficazes, que vão povoando o pensamento de Kate Souza e, consequentemente, criando “o livro”.

        Gostei das personagens que achei bastante consistentes se bem que algumas me tenham parecido apenas delineadas. Pareceram-me até alvo de uma certa displicência; apareciam, tinham o seu papel na história, ganhavam consistência e depois eram quase que deixadas à sua sorte. 

         Um pouco paradoxal esta impressão que eu tive. 

Dito isto, a verdade é que, provavelmente, irei lê-lo outra vez. 

Não posso dizer que não o tenha compreendido e apreciado. Mas, sendo um livro de escrita não linear, exigente, em que o pensamento aparentemente desordenado da protagonista/ narradora se desenrola misturando tempos e locais embora sem perder a profundidade do que diz, fiquei com a sensação que poderei tirar mais do livro; poderei compreendê-lo melhor.

       Considero este livro uma boa estreia do autor. Nunca havia lido nada de Jacinto Lucas Pires e, talvez por isso não estivesse à espera de uma escrita tão elaborada e tão exigente, mas, seguramente, irei reincidir.

Gostei.

 

2021-08

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Miguel


Sabes Miguel, estou um pouco aflita.
É que não encontro luz que me acenda as palavras
que gostaria de ter para ti hoje.
Mas, como sempre, vou tentar.
Traçaste uma linha na minha vida que nunca mais pude ultrapassar.
Dotaste-a,
à vida,
de uma legitimidade que até então não havia sentido;
a legitimidade das coisas concretas.
Acho que até aí tinha sido assim como que um sono ainda por acordar,
encostado apenas ao de leve às razões que nos constroem.
Era um pouco como a ambiguidade das palavras
quando compõem metáforas muito batidas;
parecia bonita,
parecia boa,
mas não era inteira.
Passada essa linha tudo fez um novo sentido.
Era radiante a sombra que projectava para trás
e o futuro passou a ter mais caminhos.
Os dias deixaram-se de momentos hesitantes,
de nevoeiros pegajosos
e adquiriram uma autenticidade que desconhecia.
Passaram a ter respirações ávidas, sonhos urgentes
e novos versos que desaguavam sempre em ti.
Passei a saborear o teu cheiro
e a fazer do teu toque o meu amanhecer.
Também acordei novos medos, é verdade,
mas esses desvaneciam-se na curva do teu sorriso,
no brilho do teu olhar.
E hoje, que o futuro contigo é já longo,
que também já desvendaste os segredos de ser pai,
com todas as intemperanças que nos traz à alma,
continuas a ser um dos meus sonhos mais realizado.
Parabéns
Meu Filho
2021-08-10
Celeste Pereira

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Carta à minha mãe


Carta à minha mãe
Hoje é o teu dia.
Completas 94 anos.
Na sua maioria, anos plenos,
sem abstracções, hesitações
e tão cheios daquela incoerência sábia que a vida nos dá.
É um dia feliz.
Cresce, porém, ao rés das pestanas,
uma lágrima teimosa que me cega os devaneios
e me queima a pálpebra que não quero abrir.
É que me dói um bocadinho que te tenhas recolhido
para um qualquer lugar a que não chego
– e fico tão só;
que tenhas perdido a vontade de olhar com aquele brilho que era tão teu;
que tenhas ganho essa fragilidade que nunca foi tua
e te deixa vulnerável e incapaz de encontrar caminho que te leve a ti.
E aqui fico eu, desprotegida, sem chão,
espantada com a inevitabilidade dos ressaltos da vida.
Tão consciente da sua brevidade.
Sabes, talvez não devesses ter ido sem nos dizer como te encontrar.
Mas não faz mal.
Hoje, mais uma vez, estaremos contigo.
Talvez até já te possa dar
um abraço
,
ou pegar-te devagarinho na mão, não sei...
Mas acredito que, por um momento, por um momento que seja,
tu consigas ainda abrir um sorriso e brilhar para nós.
Será o momento maior de todos os momentos.
Será um dia feliz.
Celeste Pereira
2021-08-06