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segunda-feira, 30 de julho de 2012

"Explicação dos Pássaros" de António Lobo Antunes


E pronto. Lá terminei outro livro de António Lobo Antunes que, tal como todos os que já li, me provocou um prazer enorme.

Este, “Explicação dos Pássaros”, é já de 1981, um dos seus primeiros mas que, por qualquer razão, não havia ainda lido.

Adoro ler.
É enorme o prazer que tiro da leitura de um bom livro. E depois há o acto de ler ALA e o gozo incomensuravelmente maior que, numa grande parte das vezes, me dá lê-lo.

Será o desafio que a sua forma de escrita propicia? Será a poesia que lhe está intrínseca? Serão as personagens tão físicas, tão reais, tão consistentes que quase as podemos sentir?
Não sei. Apenas posso dizer que já lhe sinto a saudade.

Em “Explicação dos Pássaros”, somos levados a acompanhar Rui S. naqueles que irão ser os últimos quatro dias da sua vida. Quatro dias que nos levam a perceber uma existência pejada de rupturas, de perdas, de frustrações, de buscas do seu espaço social, da procura de si próprio.

Rui é alguém que sente não pertencer a lugar nenhum quer social quer familiar.
Não pertence à Lapa, casa de família onde o seu pai pontifica e o assombra (?). Não pertence ao mundo de Marília nem nunca pertenceu ao de Tucha ou mesmo ao dos filhos, distantes. Não pertence ao mundo da casa da D. Sara onde tem por vizinho, entre outros, o Sr. Esperança, “barítono de craveira internacional” que trabalhava num circo e havia sido casado com uma amestradora de rolas…
Enfim, alguém que não tem lugar, nem mesmo (sobretudo) em si próprio.

Rui tem uma grande obsessão pelos pássaros, pela sua explicação… Talvez seja o resultado do único momento em que se sentiu bem no seu espaço, que se sentiu parte integrante de algo; quando em miúdo, na quinta onde passavam as férias e onde ainda eram uma família feliz, sentado nos joelhos do pai, lhe havia pedido para lhe explicar os pássaros.
Verdade? Fantasia? Necessidade de em algum tempo em algum lugar ser ele mesmo? A verdade é que este momento é evocado recorrentemente ao longo da narrativa.

Rui era professor de História, não porque fosse esse o seu “lugar”, mas apenas porque não tinha (não queria ter) espaço no que eram os negócios do pai.


E assim, presos a um estilo a que ALA já nos habituou (e que noutros livros posteriores tem levado a limites aqui ainda insuspeitados), fragmentando e entrelaçando tempos, personagens, acções e reflexões que por sua vez se vão entrosando num universo de metáforas, num mundo por vezes até irreal, onírico, vamos repensando toda uma vida enquanto viajamos com Rui e Marília para Aveiro, em vez de para Tomar, e com eles contemplamos, em silêncio, as águas oleosas da ria e, sobretudo, as gaivotas que a sobrevoam.

Aí assistiremos às últimas rupturas.
A que advém do próprio facto de desistir do congresso a que deveria ir em Tomar, a que acontece com Marília, e a consciencialização da sua vida que o leva a não ter outra saída que não a ruptura com ela própria.


Há uma metáfora particularmente importante que atravessa toda a narrativa: o circo. O circo que, a meu ver, simboliza a crueza da vida, as concessões que nela fazemos, a crueldade, tudo o que é deprimente e não o circo maravilhoso das luzes. Efectivamente é tudo aquilo que se esconde por detrás delas, o que é amargo, deprimente.
O circo que vai ganhando importância à medida que nos vamos aproximando do final. O local em que o protagonista é personagem e espectador atento e, às vezes, até surpreendido. O circo onde se cruzam todas as vozes, de forma quase feérica no final, e nos são dados a conhecer os múltiplos pontos de vista acerca de tudo o que foi acontecendo em torno de Rui.

Enfim, uma narrativa extremamente rica que me deixou, uma vez mais, de água na boca.
A não perder.

domingo, 29 de julho de 2012

As palavras


Imagem daqui
Procuro no rumor das ondas palavras que me expliquem.
Encontro apenas o frio oleoso das algas
e o movimento translúcido das águas revoltas e salgadas,
desabitadas de sonhos, novos ou velhos,
ocas de ilusões, esvaziadas da fantasia.
Procuro no rumor das ondas palavras que me decifrem,
as extensas listas de palavras que devem existir para que me entenda…
E tudo o que ouço é um imenso fragor feito de silêncios.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Vazio


"Fotografia sem título" de César Augusto Romão


Hoje vou fechar os olhos
e esperar que o rosto das palavras
me preencha este vazio imenso.
Sobrarão apenas as memórias
suspiradas pelo silêncio. 


domingo, 15 de julho de 2012

Depois


"Shadows on sea" Claude Monet

Hoje apeteceu-me ir à praia e despentear as ondas.
Olhá-las, senti-las, e dançar longos silêncios.
Depois, incendiá-los em movimentos suados
e rasgá-los ali mesmo. Naquele exacto lá,
onde já nada sobra para o arrepio de imaginar que para nós,
o depois, pode não ser já o sempre.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

“O Prisioneiro do Céu” de Carlos Ruiz Zafón



Claro que estava curiosíssima acerca deste novo livro de Zafón que me permitiria revisitar o “cemitério dos livros esquecidos” bem como personagens maravilhosas que conheci pela primeira vez em “A Sombra do Vento”.
Estava tão curiosa e tão ansiosa que nem esperei pela edição portuguesa. Li-o mesmo em castelhano que, diga-se de passagem, me dá menos trabalho do que ler traduções que obedecem ao AO (pelo menos para já, será uma questão de hábito, espero).
Pois bem, considero que li mais um excelente livro escrito por um autor de eleição.
Contudo desviou-se um pouco daquilo que eu estava à espera.
Não pretendo com isto dizer que tenha gostado menos do livro pelo facto de estar escrito num registo visivelmente diferente dos dois anteriores que compõem, para já, esta trilogia.
Neste romance Zafón forçou muito menos a parte emotiva. Ao leitor é dada a possibilidade de esmorecer um pouco a tensão com que encara a leitura. Por outro lado é menos evidente o pendor gótico que tem caracterizado os outros livros do autor. É muito visível quer nas simbologias utilizadas quer até na verosimilhança do que escreve.
É um livro em que o presente se reveste de uma importância menor do que aquilo que nos é contado pelo fabuloso personagem Fermin Romero de Torres e que diz respeito à sua vivência na prisão no “castillo de Montjuic” antes de surgir como mendigo em Barcelona. É essa narrativa que nos prende e que nos leva a compreender melhor alguns aspectos um pouco mais obscuros quer de “A Sombra do Vento” quer (e sobretudo) de “O Jogo do Anjo”.
O presente, contudo, creio que será um importante factor para a continuação desta saga. Tudo está em aberto. As personagens ainda mexem…  Além disso, este presente ligeiro, até bem-humorado, é a “almofada” que atenua o exagero emotivo, o tal pormenor literário que dá algum descanso ao leitor.
Pode-se pensar que, pelo facto de os três livros que refiro estarem interligados pelos seus personagens, pelas suas vidas, pela enorme influência dos livros, por vezes estranha, pelo “cemitério dos livros esquecidos”, só farão sentido lidos na sequência certa.
 Ou que não se entendem lidos em separado.
Nada disso.
Se bem que haja esse entrosamento de vidas e essa continuidade (e até pormenores que só se vêm a descobrir mais tarde) e que para todos haja um leit motiv “o cemitério dos livros esquecidos”, cada um é um romance por si só. Contém uma unidade narrativa com todo o sentido. Podem ser lidos pela ordem que muito bem entendermos pois estamos sempre a ler muito boa literatura plasmada em interessantíssimos romances.
Não sei o que esperar do próximo… A verdade é que noto neste um ponto de viragem. Será para valer???
Mais um que recomendo.