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sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Poemas para os mais pequenos que encantam os mais crescidos - 2



Fantasia

Do seu longínquo reino cor-de-rosa
Voando pela noite silenciosa,
A fada das crianças vem, luzindo.
Papoulas a coroam, e, cobrindo
Seu corpo todo, a tornam misteriosa.

À criança que dorme chega leve,
E, pondo-lhe na fronte a mão de neve,
Os seus cabelos de oiro acaricia –
E sonhos lindos como ninguém teve,
A sentir a criança principia.

E todos os brinquedos se transformam
Em coisas vivas, e um cortejo formam:
Cavalos e soldados e bonecas,
Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,
E palhaços que tocam em rabecas...
E há figuras pequenas e engraçadas
Que brincam e dão saltos e passadas...
Mas vem o dia, e, leve e graciosa,
Pé ante pé, volta a melhor das fadas
Ao seu longínquo reino cor-de-rosa.

Fernando Pessoa



O melhor do mundo são as crianças

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Agora quem está indignada sou eu!


E ainda a novela "Dalila Rodrigues"


Sem querer manifestar opiniões acerca de assuntos que não domino como é, sem dúvida o da gestão dos museus, não posso todavia alhear-me daquilo que leio, que vejo, que intuo e que discorro. Sou uma pessoa interessada e, raramente me distraio.
Contudo, repito, não é a minha opinião sobre o infeliz assunto que aqui pretendo deixar mas sim o meu espanto, mais, a minha indignação acerca do tipo de polémica gerada no mundo da blogosfera (pelo menos em alguns dos blogs que eu gosto de visitar) após a publicação de um post que referia um artigo do Dr. Luís Raposo saído no "Público de dia 25.
A partir daí tenho seguido com atenção os episódios que se têm vindo a suceder bem como o colorido de comentários que têm vindo a suscitar.
Concluí que o mundo dos blogues está repleto de pessoas terrivelmente democráticas, defensoras o mais possível da liberdade de expressão e, quem sabe, de outras mais (a ver).
Pessoas bem falantes, pelo menos bem escreventes, utilizando vocabulário elaborado, numa linguagem do mais erudito possível, de uma sintaxe irrepreensível, fazendo questão de evidenciar o seu nível cultural ao referir, como convém, nomes de figuras sonantes do nosso panorama cultural. Discorrem acerca de todo e qualquer assunto, sempre cheias de certezas absolutas, quais especialistas aguardando apenas o momento propício para, generosamente, partilhar connosco os seus doutos conhecimentos.
Embora sem estas capacidades brilhantes que acabei de enunciar, feita a análise dos conteúdos do que li, confesso que:
Não me revejo nem um pouco neste tipo de democracia que não sabe (nem quer saber) respeitar a diversidade de opiniões (e sim, já me explicaram os fundamentos ideológicos que presidiram ao “25 de Abril” além de que, à data, já eu os defendia também);
Não me revejo nesta “liberdade de expressão” que não respeita a expressão livre de outras opiniões diferentes, opostas que sejam;
Não me revejo na atitude de quem, provavelmente por falta de outros argumentos, parte para o insulto. Polido, é certo, pejado de riquíssima adjectivação, com recurso prolífero a artifícios literários dignos de uma “Fénix renascida”, mas nem por isso menos vulgar e de moral menos duvidosa do que se usassem o saudável, tradicional e vernáculo palavrão português.
Aguardo os episódios que se sucederem com a esperança que o tempo (que costuma ser bom conselheiro) leve a que o bom senso volte a imperar neste território dos blogues e que volte a ser um tempo bem passado, de qualidade, de aprendizagem, de saudável troca de opiniões, aquele que levo a percorrê-lo.
Imagem - Ceia de Emaús, pintura do período gótico, MNAA

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Momento






É Agosto. O dia está quente, sufocante, o ar pesado dificulta cada inspiração.
Estou no bar da praia. Peço um café (um cimbalino, claro) e abro o “Cemitério de pianos”, livro que escolhi para me fazer companhia esta tarde.
Distraidamente vou tomando o café intenso, aromático, viciante e curto e vou-me alheando, deixando a mente vogar enquanto o meu olhar abandona lentamente as páginas do livro e se vai perdendo cada vez mais longe. Pousa nas águas inquietas deste nosso mar. Observo as ondas que se erguem, bordadas de fina espuma branca, e abraçam com ardor as rochas escuras da orla da praia para, imediatamente, se retirarem envergonhadas do seu devaneio apaixonado.
No areal, pouca gente resiste ainda ao vento forte que fustiga os corpos e à mole de nuvens negras que se adensa e se vai aproximando, emprestando a tudo uma patina de sépia, dando a ilusão de sermos figuras de um antigo retrato.
Bem ao longe, parece-me distinguir o súbito clarão de um relâmpago tão fugaz quanto inaudível ainda.
De súbito, grossas pingas caem pesadamente à minha volta. Pingas redondas, espessas, urgentes embora esparsas. Incapazes ainda de suavizarem a opacidade do ar que mantém uma densidade quase palpável.
Guardo o livro e recosto-me na cadeira da esplanada, o mais confortavelmente possível e olho a praia que se estende à minha frente (agora completamente deserta); o mar no seu interminável romance e as gaivotas, suas cúmplices de sempre, que deambulam pela areia salpicada de pingas.
Fecho os olhos e deixo que as gotas redondas me acariciem, me invadam o rosto e se confundam com as lágrimas que teimam em deslizar.
Inspiro lenta e profundamente e entrego-me sem pudores nem culpas à volúpia, à doce lassidão, à tensa emoção de uma trovoada de verão. À eternidade do momento.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A convalescença da Tracy

A Tracy foi ontem castrada. Finalmente, pois ninguém podia já suportar a violência dos seus cios. Fui buscá-la hoje à clínica onde me aguardava com um ar muito triste e olhares ofendidos.
Enquanto lhe faço companhia e numa tentativa de retomar as suas boas graças, vou-lhe lendo algumas coisas engraçadas que outros, mais famosos do que eu, foram dizendo acerca dos da sua espécie.

Tem-me ouvido com muita atenção semicerrando lânguidamente os olhos em sinal de concordância. As frases que vou reproduzir foram aquelas que, indiscutivelmente, mereceram a sua maior aprovação.


“O gato é apenas tecnicamente um animal, visto que é um ser divino” – Robert Lynd

“Mesmo o felino mais pequeno é uma obra de arte” – Leonardo da Vinci

“O gato é a alegria do seu dono ao sol e o seu conforto à sombra” – Francesco Petrarca

“Podes dizer a um cão para fazer qualquer coisa. A um gato, podes apresentar uma proposta razoável” – Michael Stevens

“Deus fez o gato para que o homem pudesse ter o prazer de acariciar o Leão” – Fernand Mery

“Nos olhos de um gato podes observar o tempo, na verdade, a eternidade” – Charles Baudelaire

“Porquê procurar conforto no islão, Budismo ou Catolicismo – um gato dá-te o mesmo e ainda te aquece o colo” –
Charles Darwin

“Se mereceste o seu amor, o gato será teu amigo, nunca teu escravo” – Théophile Gautier

“O teu gato decide que amigos podes ter” – Ruth Gottberg

“Os cães vêm quando os chamas. Os gatos, tomam nota do que dizes e, eventualmente, voltarão ao assunto” – Mary Bly



“Sem um gato na mesa muitos dos grandes livros nunca seriam escritos” – Johann Wolfgang von Gottlieb

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A história de Lisey




Há já alguns dias que acabei de ler o livro de Stephen King “A História de Lisey”. Devo dizer que sou leitora habitual deste autor pois desenvolve um género literário que, em determinados momentos, me dá muito prazer ler; o suspense, o thriller, o terror. Assim, ao ler Stephen King, não espero ser surpreendida com textos de exacerbadas pretensões literárias mas sim com enredos verdadeiramente incríveis, assustadores, inesperados, por vezes a raiar o doentio, que o autor vai desencantar não sei bem onde. Contudo, devo referir que, nos livros que li do autor (e foram já muitos), sempre encontrei bons textos, numa escrita agradável, fluida, directa, utilizando bem a linguagem do quotidiano, fazendo descrições muito concretas, não havendo, regra geral, grande lugar à metáfora. Na maior parte das vezes, até as marcas do horror, se encontram ligadas a objectos comuns do dia a dia, tornando tudo muito mais arrepiante.
Mas voltemos à “História de Lisey”. Este livro foi, para mim uma surpresa. Desde o início da sua leitura e à medida que ia progredindo, foi-me suscitando uma certa estranheza e talvez até alguma desilusão. Não conseguia atribuí-lo ao seu autor; não encontrava nele as “marcas” que caracterizam as obras de Stephen King (pelo menos as que eu conheço). Foi-se revelando aquilo que eu considero um romance, de carácter intimista, desenvolvendo uma história de amor na qual uma viúva de um proeminente escritor vai reacendendo memórias da vida de ambos, guiada por “pistas” num jogo que a faz mover-se entre mundos paralelos: É também uma história acerca da tentação da loucura e da interacção afectiva entre irmãos. Todavia à medida que as páginas iam passando, ia-me familiarizando com esta nova forma (esquecendo, por vezes, que se tratava de King) acabando por terminar a leitura com verdadeiro prazer.
Ao finalizar a leitura de um livro, escrevo habitualmente, um pequeno comentário acerca do mesmo. Tem esse comentário o objectivo de, futuramente, me refrescar a memória em relação não só ao tema como também às impressões que me causou. Digamos que atribuo um complemento muito pessoal à sinopse.
Em relação à História de Lisey, embora já tenham passado uns quantos dias desde que terminei a sua leitura, ainda não consegui decidir-me acerca das impressões que realmente me deixou. Tendo entretanto lido algumas críticas bastante abonatórias feitas ao livro, nomeadamente a do New York Times em que o crítico compara até Stephen king (em relação a este livro) com James Joyce (disparatadamente na minha modesta opinião), fico com a ideia que, provavelmente, não o consegui entender pois mantenho a mesma ambiguidade de impressões.
Stephen King terá pretendido dar um salto qualitativo em termos literários, ou pelos menos fazer uma incursão por outros caminhos diferentes dos que habitualmente desenvolve. Provavelmente terá querido ultrapassar as amarras criadas pelo enorme sucesso que tem como escritor de obras de terror. Tê-lo-á conseguido, pelo menos em parte, ao revelar-se muito menos preocupado com o factor suspense sem que, contudo, abdicasse nunca dele. E é aqui que, no meu ponto de vista, reside uma certa ambiguidade. Ao pretender ir mais além, ficou preso às suas limitações, não de capacidades enquanto escritor mas às que advêm do facto de ser uma estrela do terror.
Diz-se até que terá criado um novo género literário, o thriller romântico...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Descansem o olhar


Desculpem mas não consegui resistir!


Se o perfume anunciado é bom ou mau não faço a mínima ideia, mas que é um regalo para a vista, lá isso não há a menor dúvida!
Com uma paisagem destas até a Sôdonagata would happily be lost in a beautiful (or not) pacific island!

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Esta pessoa que sou

( Desespero, de Linda Torres, México 2004 )

Mais um dia que acabou
Um dia calmo, indolente
E esta pessoa que eu sou
Sufoca, arde impaciente.

É uma quietude perdida
Uma agitação crescente
Que enche a alma, dorida
Que chora de raiva ardente.

E na garganta se prende
Este nó que vai crescendo
Que me fere, que me exaure
Numa dor que não entendo.

E esta fúria que não pára
Que a quietação apagou
Esta irritação insana
Nesta pessoa que eu sou,

Tem de recuar, de fingir,
De serenar, aquietar
De disfarçar, de sorrir…
E outro dia começar.

Donagata em 2007-08-20

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Ensaio

S
Consoante
Constritiva
Oral
Alveolar
Surda
Fricativa

O
Vogal
Semiaberta
Posterior
Arredondada
Distensa
Oral

S
De silêncio
De sufoco
De sobressalto
De saudade
De soluço

Mas também

De sedução
De sorriso
De sussurro
De sol
De sonho

O
De obscuro
De opressão
De obsceno
De objecção
De obsessão

Mas também

De olhar
De orvalho
De oásis
De onda
De ocaso

S + O


Eu


Donagata em 2007-08-17

Imagem "La Niña de la lluvia" de Merello

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Acordar com Utopia


(Cat on a yellow pillow - Franz Marc)


É manhã
Acordo lenta e preguiçosamente.
Algo me embala
Algo me afaga o, ainda, inconsciente.
È um som
È suave,
É doce,
É um ronrom meigo
De quem me quer acordada
Sem que realmente acorde!

Estendo a mão
E faço deslizar
Lentamente,
Os meus dedos
Pelo teu dorso.
Sinto o teu pelo,
Suave,
Macio.
Repito o gesto,
Voluptuosamente,
Da cabeça à ponta da cauda

Abro os olhos,
Devagar,
E encontro o brilho dos teus,
Intenso,
Verde,
Enigmático,
Profundo.
Sorris para mim,
Rebolas dengosamente,
E ofereces-me a seda do teu ventre.

Perco os dedos nessa maciesa
Enquanto manténs o teu sorriso
Estás feliz como só os gatos sabem estar!
Paro o afago,
Ainda ensonada.
Deixo a mão esquecida no lençol.
Cuidadosamente,
Pousas nela a tua cabeça.
Suspiras longamente,
Vais apagando a luz verde do teu olhar
E, perdemo-nos ambas,
Mais uma vez,
Na terra dos sonhos.

Versos oferecidos à minha gata Utopia pelos fabulosos despertares que me tem proporcionado.
Donagata em 15/08/2007

Gato que brincas na rua

(Three Cats, Franz Marc, 1913)


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama
Invejo a sorte que é tua
Por que nem sorte se chama

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu

(Em Poesias de Fernando Pessoa)

domingo, 12 de agosto de 2007

Mais aniversários!!!


Mais um dia de festa se passou ! Mais uma vez desmontámos afanosamente toda a parafernália de mesas, cadeiras, guarda-sois, pratos, copos, talheres e sei lá que mais, necessária à recepção, com lauto repasto, (ou não fossemos do norte) de uma família, já grandinha, que se junta para comemorar um aniversário (neste caso foram até dois!). Estou exausta mas feliz. E, enquanto me sento calmamente em frente da televisão e as imagens, belíssimas aliás, do "Cirque du Soleil" desfilam diante de mim, eu vou fazendo, quase involuntariamente, uma retrospectiva do dia. Os rostos de todos vão-se insinuando lentamente, teimosamente e passeiam-se descaradamente pela minha memória; todos parecem felizes. Mais uma vez conseguimos reunir este carismático clã que é a nossa família.

E desta vez não se tratou de uma qualquer reunião de família que tanto gostamos de fazer sob pretextos, por vezes bem "mal amanhados". Desta vez tratou-se de uma festa verdadeiramente especial. Desta vez comemoraram-se os 80 anos, repito, 80 espantosos anos da Mamã. É verdade, a Mamã, a Vovó, a Tia Lala, a Lala, a nossa indiscutível Matriarca de sempre completou os seus oitenta anos o que, obviamente, sendo motivo de grande regozijo para todos, era merecedor de uma comomoração a sério.


Portanto aqui nos juntámos todos.: os da casa, os que ficam próximo, os de um pouco mais longe e mesmo os de "muito longe", um conjunto de quatro gerações, um grupo de personalidades tão diversas, um grupo de pessoas lindas e ...A MAMÃ.

Cá estava ela, de vestido novo, sapato de salto alto (dá logo outra elegância!!!), colar de pérolas e a sua já proverbial segurança; a sua "certeza de estar sempre certa".

Emocionou-se ao abraçar todos, emocionou-se ao ver tantos presentes, emocionou-se ao sentir o afago de tanto carinho, de tanta estima, de tanto apreço! E sabem uma coisa, em toda a tarde (quase) conseguiu não nos presentear com os seus habituais comentários, de rara subtileza, que dispara sem avareza nem critério em todas as direcções. Estava mais comedida a Mamã! Enfim, é uma Senhora, tem 80 anos!

Chegados a hora do inevitável ritual do soprar das velas, lá surgiu o bolo aliás, os bolos. Pois é, também o meu filho festejava o seu aniversário, um dos netos da Mamã, o mais velho.

Pousaram-se na mesa os dois bolos que exibiam também duas velas douradas enfeitadas com duas fitas nas quais pintei cuidadosamente as respectivas idades. Soltaram-se as também habituais exclamações de "que bonito!"; "tens jeito!"; "foste tu que fizeste?!!" e outras parecidas. A Titi dá o tom e o coro atacou! Também como habitualmente desafinámos escandalosamente apesar dos esforços, tão titânicos quanto infrutíferos, do tio com voz de tenor. A Mamã apagou as velas pelo que foi aplaudida ruidosamente e com muitos vivas. O coro atacou novamente e sem perder características, a outra vela foi apagada, repetiram-se os aplausos e os vivas e lá se cumpriu assim mais uma vez um velho ritual.


A tarde foi-se escoando lentamente. A família foi regressando às suas casas, às suas vidas. Tu, Mamã, guardaste satisfeita os vestígios do dia e preparaste-te para mais um ano de vida intensa certa de que não estás só.

Até ao ano Mamã!

Cá estaremos prontos para comemorar!
Imagem: Tulipa; Óleo sobre tela de Siriani, Mariana





sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Se eu fosse poeta


Se eu fosse poeta
Saber-te-ia dizer
Por belas palavras
Como o Mundo ficou mais colorido,
Como as estrelas se tornaram mais brilhantes,
Como a vida passou a fazer todo o sentido,
Como eu passei a ter mais sentido na vida,
No dia em que nasceste!

Se eu fosse poeta,
Saber-te-ia contar
Por palavras belas
A magia do teu primeiro sorriso,
O encanto das tuas primeiras palavras,
O alvoroço dos teus primeiros passos,
A inquietação no teu primeiro dia de infantário...

Se eu fosse poeta,
Saber-te-ia mostrar
Por belas palavras
A alegria dos teus primeiros sucessos,
A atenção ansiosa em todas as mudanças da tua vida,
A tristeza quando te senti triste,
A vaidade de te ver crescer íntegro.

Se eu fosse poeta,
Terminaria dizendo
Por belas palavras
Que Homem espantoso és hoje!
Que orgulho imenso sinto em ser tua mãe!

Mas...
Eu não sou poeta!
Para o meu filho no dia do seu aniversário.
Parabéns!
Imagem. Oval Mirror de Cassatt, Marry

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Regresso a casa





Sou uma pessoa pragmática e defensora da lógica e do explicável. Contudo, acredito que de algum modo fiquei presa, através de algum vínculo indelével, ao local onde nasci e onde passei uma parte da minha infância. É algo que não entendo bem, que não explico bem mas que me proporcionou alguns dos momentos mais agradáveis, se bem que mais estranhos, que vivi. Passaram-se anos e mais anos sem que lá tenha voltado; passaram-se anos e mais anos sem que tomasse consciência da sua memória e, apesar disso, no dia em que lá voltei, senti algo inexplicavelmente mágico.
Senti um conforto que subrepticiamente se ia encostando à minha pele; uma brisa que me soprava na memória, um calor bom que me dilatava o peito, uma inquietude de quem não quer perder nada...
E quão fortes e ,ainda assim indefiniveis, foram as sensações ao descobrir (agora tão pequeninas) as poldras por onde atravessava, cheia de medo, o rio; ao sentir sob os meus pés as pedras muito polidas da velha ponte romana (da pequenina) que eu tantas vezes calquei em menina; ao relembrar o sabor e a temperatura da água das caldas; ao rever, agora com outros olhos, a orgulhosa Torre de Menagem e a muralha; ao descobrir as portadas verdes das janelas da primeira casa (a do Postigo) de que tenho recordações; ao eapreitar a janela por trás da qual, num tempo já muito antigo, eu sabia que o meu pai estava a trabalhar; ao passar na igreja onde (ainda) todos os Domingos a família ia à missa; ao atravessar a ponte de Trajano em direcção ao “Jardim Público”, o das verbenas nas quentes noites de Verão; ao descer a Rua Direita; ao sentar-me na esplanada da Pastelaria (agora croissanteria) Aurora; ao rever a escola onde aprendi a gostar das letras; ao sentir os odores da minha infância....
De repente, inexplicavelmente, dei por mim a sentir que fazia parte de tudo isto, a sentir que tudo o que me rodeava era muito mais “eu” do qualquer outro local onde tenha estado, a sentir que, finalmente, tinha regressado a casa!

Norwegian Wood




Acabei ontem de ler o livro Norwegian Wood de Haruki Murakami. E, mais uma vez, gostei.
Iniciei-me com este autor com algumas reservas, sei lá, talvez por causa de , de repente, estar na moda e, devo dizer que as modas me fazem retrair sempre um pouco, sobretudo as modas literárias. É que há tanta coisa boa para ler e eu tenho tão pouco tempo...
Bom, voltemos ao assunto. Ultrapassada essa relutância inicial, lá resolvi dar o benefício da dúvida começando por ler “Kafka à beira mar”. Este e não outro qualquer porque era o que tinha um gato lindo na capa ( E que tal como critério de escolha?...).
Foi uma agradabilíssima surpresa. De tal forma que, de imediato, li “Em busca do carneiro selvagem” e “Noruegian Wood”que, como já disse terminei ontem ( Estes já sem gatos na capa...).
Este último foge, sem dúvida à forma metafórica de contar a história, bem patente nos anteriores, a qual se desenrola, com fluidez entre o real e o imaginário e, por vezes, o mito. Aqui, o autor mantém a narrativa sempre dentro do plano do real. Todavia as personagens são tão ricas, tão elaboradas (elas próprias uma metáfora?!) quanto nos anteriores livros que li e, devo dizer, não menos perturbadoras.
Mais uma vez fiquei um pouco mais rica!

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A Tracy


A Tracy está com cio!
E!!..., dirão vocês, com tanta menina jeitosa que por aí vagueia no mesmo estado de exaltação e sem honras de texto escrito, porquê o privilégio??
Bom, é que a Tracy é uma linda gatinha tartaruga tabby, de olhos verdes, expressivos, que passa os fins de semana e as férias comigo. Ter cio é, portanto, normal. É, como se sabe, a estratégia que a Mãe Natureza usa para perpetuar a maioria das espécies do Reino Animal.

Então, se assim é, porquê o espanto?

Não é espanto, não, é puro desespero. É que a Tracy não se limita a ter cio, a Tracy esmera-se de tal forma que suplanta o próprio conceito de cio.

Ela grita desalmadamente noite e dia, ela corre escada acima, escada abaixo; ela "cavalga" furiosamente por cima da cama (e de mim); ela implora com o olhar ao mesmo tempo que berra com veemência; ela deita-se, ela levanta-se ela rebola... Enfim, tudo isto num nunca acabar de dias em que nem dorme (nem deixa dormir), nem come num constante desassossego. É verdade! Ela espanta até os próprios companheiros de espécie, os outros, os residentes. Estes, após um prolongado olhar de profunda estranheza com uma pitada de desprezo (quer-me parecer), afastam-se, altivos, para locais menos conturbados.

Tracy, por favor, já chega! Acredita, já marcaste bem o teu ponto de vista!

Deixa-me dormir!!!!

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Ode ao gato


Leiam com atenção e com alma. Acreditem que vale a pena. É lindo!

Oda al gato

Los animales fueron
imperfectos
largos de cola, tristes
de cabeza.
Poco a poco se fueron
componiendo,
haciéndose paisaje,
adquiriendo lunares,
gracia, vuelo.
El gato,
sólo el gato
apareció completo
y orgulloso:
nació completamente
terminado,
camina solo y sabe lo que
quiere.
El hombre quiere ser
pescado y pájaro,
la serpiente quisiera tener
alas,
el perro es un león
desorientado,
el ingeniero quiere ser
poeta,
la mosca estudia para
golondrina,
el poeta trata de imitar
la mosca,
pero el gato
quiere ser sólo gato
y todo gato es gato
desde bigote a cola,
desde presentimiento a
rata viva,
desde la noche hasta sus
ojos de oro.


No hay unidad
como él,
no tienen
la luna ni la flor
tal contextura:
es una sola cosa
como el sol o el topacio,
y la elástica línea en su
contorno
firme y sutil es como
la línea de la proa de una
nave.
Sus ojos amarillos
dejaron una sola
ranura
para echar las monedas
de la noche.
Oh pequeño
emperador sin orbe,
conquistador sin patria,
mínimo tigre de salón,
nupcial
sultán del cielo
de las tejas eróticas,
el viento del amor
en la intemperie
reclamas
cuando pasas
y posas
cuatro pies delicados
en el suelo,
oliendo,
desconfiando
de todo lo terrestre,
porque todo es inmundo
para el inmaculado pie del
gato.

Oh fiera independiente
de la casa, arrogante
vestigio de la noche,
perezoso, gimnástico
y ajeno,
profundísimo gato,
policía secreta
de las habitaciones,
insignia
de un
desaparecido terciopelo,
seguramente no hay
enigma
en tu manera,
tal vez no eres misterio,
todo el mundo te sabe y
perteneces
al habitante menos
misterioso,
al vez todos lo creen,
todos se creen dueños,
propietarios, tíos
de gatos, compañeros,
colegas,
discípulos o amigos
de su gato.

Yo no.
Yo no suscribo.
Yo no conozco al gato.
Todo lo sé, la vida y su
archipiélago,
el mar y la ciudad
incalculable,
la botánica,
el gineceo con sus
extravíos,
el por y el menos de la
matemática,
los embudos volcánicos
del mundo,
la cáscara irreal del
cocodrilo,
la bondad ignorada del
bombero,
el atavismo azul del
sacerdote,
pero no puedo descifrar un
gato.
Mi razón resbaló en su
indiferencia,
sus ojos tienen números
de oro.


Pablo Neruda

Poeta chileno. Prémio Nobel da Literatura 1971