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quinta-feira, 31 de março de 2011

Noite de Poemia


Assisti ontem, mais uma vez, a uma das já habituais noites de Poemia no Labirintho.

A esta não poderia faltar pois destinava-se a homenagear o poeta, crítico e dinamizador da poesia enquanto espectáculo aqui no Porto e em alguns outros locais, Joaquim Castro Caldas. Um diseur impressionante e um não menos impressionante escritor que, na cave do “Pinguím” todas as segundas feiras, ajudou a tornar a poesia uma arte de ver e de ouvir, de mastigar de abraçar e não apenas um montículo de letras agrupadinhas num qualquer livro ou folha, ou guardanapo….

Ontem, reuniu-se um bonito grupo de amigos, conhecidos, frequentadores das célebres noites de Pinguím e, num ambiente descontraído sem bem que emotivo, foram contando episódios passados com Castro Caldas e dizendo textos seus bem como outros que ele tanto gostava de dizer e com que encantou quem o ouvia.

Realço aqui as intervenções de João Habitualmente, amigo próximo de Castro Caldas, de Rui Spranger a quem se deve a continuidade das sessões de poesia no Pinguím. E, com muita pena minha não recordo os nomes dos outros (tantos) amigos que tão bem lhe prestaram culto. Aqui ficam as minhas desculpas.

A abertura da sessão com a devida apresentação da vida e obra do homenageado esteve a cargo de Danyel Guerra que muito bem o conheceu e com ele conviveu.

Uma excelente sessão.



quarta-feira, 23 de março de 2011

“A Casa de Papel” de Carlos María Domínguez

Li “de um só fôlego”, como me avisava a badana da contracapa, este pequeno/grande livro deste autor argentino que não conhecia. E, mais uma vez, fiquei com aquela incómoda mas ao mesmo tempo doce sensação de ter sabido a pouco… de querer mais…

A este livro só lhe falta ser um bom bocado mais “gordinho” para retratar um pouco de mim. É que nos fala, de forma deliciosa, do amor pelos livros. Da compulsão pela leitura mas também pela posse do objecto livro.

E como eu gosto dele; de o manusear, de o abrir, de lhe “medir” as margens, de o cheirar, de lhe cobiçar as letras…

Vai-nos levando através desta magnífica fábula (ou como lhe queiram chamar) através dos comportamentos daqueles que amam os livros.

É uma reflexão belíssima sobre a arte de os usar, de os estudar, de os possuir, de os guardar, de os preservar, de os ler, de os amar. Reflecte também, ou leva-nos a reflectir, acerca de até onde o amor desmesurado pelo livro nos pode levar; o quão difícil é saber quando parar, qual é a linha limite a partir da qual o comportamento pode ser considerado doentio, irracional, patológico.

Tudo começa com a morte de Bluma Lennon, atropelada por um automóvel, quando seguia lendo um velho exemplar dos “Poemas” de Emily Dickinson que acabara de comprar no Soho.

Alguns dias mais tarde, o seu substituto no Departamento de Línguas Hispânicas da Universidade de Cambridge recebe no deu gabinete um embrulho, proveniente do Uruguai, dirigido à sua defunta colega.

Quando o abre depara-se com um volume sujíssimo, com pedaços de cimento e terra agarrados o qual tem dificuldade em reconhecer como sendo um exemplar de “A Linha da Sombra” de Joseph Conrad, autor acerca de quem a sua colega estava a preparar uma tese.

E a partir daqui, meus amigos, irão vocês entrar no percurso fabuloso que eu já fiz e que, naturalmente, irei voltar a degustar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Tão loura e fria…



Tão loura e fria…

Faziam versos "como quem morre" e a sua principal, ou única, fonte de inspiração foi a morte e a doença que os vitimou entre os 20 e os 30 anos de vida, na última metade do século XIX, deixando-nos os seus lamentos em forma de poemas que suscitam a nossa compaixão e o nosso espanto.

No Dia Mundial da Tuberculose lembramos estes poetas, numa justa homenagem. Merecem que lhes dediquemos um olhar terno e fraterno porque o seu destino seguiu o enunciado de Horácio, Paluto, Pessoa: "Morrem jovens os que os deuses amam"

Será numa sessão de poesia no próximo dia 24/3/11, no Café Progresso (ao Largo Moinho de Vento, Porto), pelas 21,30, apresentada pelo ilustre pneumologista Dr. António Ramalho de Almeida, autor de um trabalho notável de esclarecimento e luta contra esta doença que continua a matar sem piedade.
Serão lidos poemas por Celeste Pereira, com projecção de imagens e fundo de tango argentino, o som trágico e dolorido como a paixão e a morte que acompanharam Júlio Dinis, Soares de Passos, António Nobre, António Aleixo, José Duro, e tantos outros.

Mais uma vez encontramo-nos pela poesia e com a poesia!

“O Sonho do Celta” de Mário Vargas Llosa

Acabei de ler o livro referido o qual havia comprado com alguma curiosidade. Em primeiro lugar por ser de um autor que aprecio e depois por contar a vida de Roger Casement, um personagem totalmente desconhecido para mim mas, cuja envolvência na causa irlandesa (em relação à qual também padeço de uma enorme dose de ignorância, confesso), me fez aguçar o interesse.

E o livro é isso mesmo. Uma biografia exaustiva, romanceada, é certo, mas biografia mesmo assim, do irlandês Roger Casement.

Os episódios da sua vida aventureira vão intercalando com os seus pesadelos na prisão. Todos são memórias…

Este homem que teve uma vida prodigiosa, plena de aventuras e perigos, acérrimo defensor dos direitos humanos, foi cônsul inglês no Congo Belga.

Aí, numa viagem longa e aventurosa pelo rio Congo presenciou as atrocidades cometidas sobre os indígenas sobretudo no que diz respeito à exploração da borracha praticadas sob o beneplácito do governo de Leopoldo II.

Denunciou-as num longo relatório que lhe granjeou respeito na Europa.

Mais tarde, veio a denunciar os mesmos delitos cometidos agora na Amazónia peruana. Aqui correu graves riscos quer por causa das peripécias da própria viagem, já por si arriscada, quer por causa das represálias de quase todos pois todos mesmo beneficiavam com a exploração da borracha à custa dos maus tratos dos índios peruanos.

Mais uma vez os seus relatórios tiveram um enorme impacto e fortes consequências se bem que não as que ele previa…

No final da sua vida tornou-se um defensor do nacionalismo irlandês cuja dependência perante os ingleses comparava ao colonialismo que tão bem conhecia.

Assim, assume a estratégia de se aliar aos alemães no início da 1ª guerra mundial com a expectativa de que estes fossem uma ajuda à independência da Irlanda.

Esta associação funesta, ingénua e imprudente teve como consequência a sua prisão, julgamento e condenação à morte como traidor à pátria.

Para denegrir a sua imagem muito contribuíram os seus diários pessoais que, divulgados ainda em vida deste, na prisão, enquanto aguardava a comutação da pena, revelavam a sua faceta de homossexual atrevido e despudorado. Julga-se que alguns desses relatos não passassem de efabulações, fantasias de algo que ele gostaria de ter vivenciado.

Enfim, um livro interessante pelo conhecimento que nos dá de uma personalidade incomum e que, apenas de há muito pouco tempo a esta parte tem vindo a ser reabilitado e reconhecido como uma pedra importante na luta pela independência da Irlanda.

Interessante, sem dúvida, mas não dos meus preferidos de Mario Vargas Llosa.

domingo, 20 de março de 2011

A Poetria

Porque a Poetria É.

Porque é uma realidade inegável para todos quantos lêem e gostam de ouvir boa poesia, achei por bem colocar este comunicado que a própria Poetria me enviou por mail e cujo conteúdo me deixou deveras irritada pela sua injustiça:


QUEM TEM MEDO DA POETRIA?

Na sua última edição de Março, a revista “Os meus livros”

publica um dossier intitulado “A resistência da poesia”, assinado por Andreia Brites, mencionando editoras e livrarias que, contra ventos e marés, continuam a apostar na Poesia como género literário bem presente no mercado.


Até aqui nada a assinalar. Trabalho louvável de pesquisa e desenvolvimento no sentido da divulgação da poesia. E não fora o “esquecimento” da Livraria Poetria entre as que referiu no seu artigo, a abordagem seria perfeita.


Mas Andreia Brites omitiu esse pequeno grande pormenor: A livraria que pela 1ª VEZ ousou instalar-se no mercado SÓ com livros de Poesia (e Teatro), e que no mercado PERMANECE desde 2003 foi, sim, a Livraria Poetria.


(Já em tempos, num importante artigo na Pública assinado por Luís Miguel Queirós sobre esse tema e os locais onde se vendem livros de poesia, a Poetria não foi incluída no conjunto das livrarias citadas)


Já agora, quando em 2008 abriu em Lisboa uma livraria de poesia, foi comentado na comunicação social e outros sítios que acabava de surgir “a 1ª livraria de poesia no país”.


E ainda, outro pormenor no mínimo insólito, a Livraria Poetria também NÃO é referida, nem ao de leve, na esmagadora maioria dos blogs ou sites especializados ou que falam de poesia (com honrosas excepções como a Assírio e Alvim, o Bibliotecário de Babel ou o Eu ela e a escrita…).


É caso para perguntar: Quem tem medo da Poetria?


OUÇAM TODOS (os que teimam em nos ignorar): a Poetria existe e resiste apesar de tanta indiferença, na sua senda poética de divulgação da “linguagem das aves”. E até vamos em breve alargar o nosso espaço físico para que mais livros de poesia (e teatro) possam aqui morar.


E como não tem inveja de ninguém, insere no seu site (www.livrariapoetria.com
) muitos links para blogs, sites e nomes ligados à poesia. Vão lá e verifiquem com os vossos próprios olhos, seus distraídos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Poietikós - A Poesia da Vida


Atenção, estive nos ensaios, não percam.... A sério, não percam mesmo!!!!


A convite da Câmara Muncipal de Gondomar, a edita-me vai levar a cabo o espectáculo

Poietikós - A Poesia da Vida

dia 18/Março, pelas 21h30, no auditório da Biblioteca Municipal de Gondomar.



A vida, as pessoas, os poetas enquanto seres humanos, que se cruzam, que se apaixonam, que escrevem o que vivem e que vivem escrevendo...



Um espectáculo construído exclusivamente a partir de textos já publicados de autores da edita-me, que estarão presentes para no final, interagirem com o público.



Com as participações:
- Leituras por Ana Afonso, Carlos Lopes e Celeste Pereira
- Dança (ballet) por Filipa Lopes e Inês Magalhães
- Musical 575 Band e Ângela Cintra

Entrada livre!

sábado, 12 de março de 2011

Mutismo


Tanta coisa, tanta, a dizer e, afinal, nada digo.

Fecho-me neste mutismo teimoso e ácido

que me consome o querer, que me queima os lábios,

que me prende a língua, que tolhe todo o meu ser.

E, afinal, há tanta coisa a dizer…

quinta-feira, 10 de março de 2011

“Sôbolos Rios Que Vão” de António Lobo Antunes

E pronto, lá voltei a ler o livro que me tinha deixado uma impressão pouco definida. E, na verdade, eu gosto pouco de indefinições.

Tal como previa a percepção que tive agora dele foi completamente diferente daquela que adveio da primeira leitura. Obviamente pelo facto de ser uma segunda leitura e, portanto, conhecedora já das linhas mestras da narrativa, pude-me debruçar com mais tempo e vontade sobre as imensas subtilezas que este livro contém.

Como já nos habituou apresenta-nos uma escrita fragmentada. Nada em nenhum momento desta narrativa é linear. Vai arquitectando planos diversos, competindo ao leitor organizá-los, encaixá-los e criar uma narrativa coesa.

Depois desta segunda leitura, a opinião com que fiquei foi que terá sido este o livro em que esta fragmentação, este entrecortar do discurso se encontra no seu ponto mais perfeito. Mais fácil? Não. Mas mais perfeito.

As diversas referências de espaços e tempos diferentes surgem aqui desde o início, desde que o Sr. Antunes entra no hospital, ao mesmo tempo que o Antoninho se encolhe de medo da D.Lucrécia na sua cadeira de rodas, na vila? na enfermaria do hospital?

E, enquanto ele, Sr. Antunes se encontra no hospital e é sujeito a uma complicada intervenção cirúrgica, as suas memórias vão fluindo como um rio recordando os seus avós (Antoninho), os seus pais, o Virgílio, a carroça, o burro, o ditado “o menino me deu vida…”a vida na vila, o ouriço que se dilatava e continuava consigo emboscado nas vísceras, o pássaro do seu medo que continuava em círculos, a sua nudez que o humilha, a sua impotência perante a doença, a veia que não tem (Sr. Antunes) e vão prosseguindo num entrelaçar contínuo de personagens, locais e tempos por todo o livro até ao final.

Este, simbólico, no meu ponto de vista, uma vez que uma das últimas alusões à sua infância é o seu próprio nascimento. O seu renascimento, quem sabe…

Contudo, voltando um pouquinho atrás, na minha opinião não é a coesão da narrativa o mais importante neste livro (assim como em outros de ALA) mas sim a beleza da sua escrita. É realmente uma escrita que revela uma qualidade, uma mestria no jogo das palavras que nos subjuga. Alia a isso um pendor incrivelmente poético. Há frases no livro que são, só por si, um poema: …”e ele sem descer com os rios, as folhinhas desciam, os ovos de gafanhoto desciam, um ramo de salgueiro descia girando, nós não descíamos pai,”…

É e julgo não haver dúvidas para ninguém, um livro inteiramente autobiográfico. Quer no que se refere ao episódio da doença quer aos outros da sua infância e não só. Aliás até os nomes o sugerem. Já outros o foram e nem por isso ficaram diminuídos na sua qualidade.

Enfim, alguém me disse há uns tempos quando conversávamos acerca do livro que o considerava “o livro perfeito”. Eu cá não sei muito bem o que é um livro perfeito, nunca encontrei nenhum. Encontrei livros que me marcaram profundamente pelas mais diversas razões mas (exigentinha!), estou sempre à espera de outros que me marquem ainda mais.

Portanto, perfeito… não sei, acho que não.

Bom, a ler, sem a menor dúvida. E, já agora, esqueçam a expectativa, só estorva…

domingo, 6 de março de 2011

"Sôbolos Rios Que Vão" António Lobo Antunes


Li este livro há já uns meses largos. Mais precisamente, acabei de o ler no dia 21 de Outubro. A verdade é que tenho a data muito presente por tê-lo lido enquanto convalescia de uma inconsequente intervenção cirúrgica à qual fui submetida no dia 19. Claro que o li muito rapidamente. Na verdade não estava propriamente em condições de me ocupar com muitas outras coisas mas, ainda que não fosse esse o caso, teria sido um livro de leitura rápida pela sua envolvência.

E agora poder-se-á perguntar: se já o li há tanto tempo porque razão só agora aqui estou a deixar a minha opinião?

Pois isso deve-se à conjugação de dois factores.

Em primeiro lugar iniciei a leitura do livro no dia exacto em que apareceu nas bancas. Estava a passar um curto fim-de-semana em Cascais e vi-o na Bulhosa no dia 18 de Outubro. Calhou muito bem pois estava mesmo a acabar de reler o “Conhecimento do Inferno”. Era acabar um e começar logo o outro, boa!

Um grande erro. Nunca o havia feito e não aconselho ninguém a fazê-lo. É necessário algum tempo para digerir um livro de Lobo Antunes. Então depois, quando temos tudo bem claro na nossa cabeça, ou pelo menos o mais claro possível, aí sim poder-nos-emos abalançar para outro do mesmo autor. O melhor mesmo é ir lendo outros autores de premeio, ainda que não seja essa a vontade e depois, então, quando tudo estiver bem arrumado, pegar no próximo.

Como já disse, não o fiz. Acabei um e comecei de imediato o outro o que acabou por prejudicar bastante o partido que tirei da leitura do mais recente.

A expectativa que havia criado em torno dele era também enorme. Estava à espera de algo muito muito bom que francamente se distanciasse de tudo quanto até aqui havia lido de ALA, embora de ALA…

O que encontrei foi um livro abertamente autobiográfico (o que havia acabado de ler também o era embora focando outros momentos da vida do autor), em que tudo se passa num espaço temporal relativamente curto (no anterior também, mais curto, é certo) e o mesmo tipo de escrita fragmentada que havia encontrado, por exemplo no “Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar”, ou no “Arquipélago da Insónia”, ou em “O meu nome é legião” sem que, à partida, me parecesse trazer nada de novo a não ser o facto de ser mais fragmentada ainda.

Fiquei portanto um pouco desiludida. Não posso dizer que não tenha gostado, é certo. Mas também não posso dizer que me tenha impressionado da forma que esperava que o fizesse. Assim, fiquei sem vontade de deixar aqui, como é meu hábito, a minha impressão pois, para dizer a verdade, nem sabia muito bem que impressão me havia, de facto, deixado.

Deixei correr o tempo e bastantes livros pelo meio até que decidi repetir a leitura do citado livro.

Será então alvo do meu próximo “comentário”.

sexta-feira, 4 de março de 2011

“Conhecimento do Inferno” de António Lobo Antunes

É curiosa a forma como uns anos de permeio e muitas leituras me fizeram ter uma perspectiva tão diferente do mesmo livro!

É verdade. Acabei de reler este livro há já uns dias. E, se da primeira vez tinha ficado com uma ideia de diferença em relação ao único que havia lido (Memória de Elefante) do mesmo autor agora, pelo contrário, achei-o muito parecido com os dois anteriores. Quando me refiro a parecido quero dizer na forma. Bom, na forma e, no conteúdo também pois, na verdade, julgo até que este poderia ser a “continuação” do primeiro…

Em ambos aparece a personagem principal colada a ALA; psiquiatra, frustrado na sua profissão mas também na sua vida pessoal, marcado pelas memórias de uma guerra que, embora não sendo a sua guerra, lhe deixou marcas indeléveis, assolado por recordações mais ou menos intimistas, mais ou menos determinantes.

Se a linha narrativa de um e de outro se separam, a razão desta, julgo eu, mantém-se a mesma em ambos; a necessidade da catarse.

Embora seja de opinião que já se comecem a notar as marcas que determinarão o caminho que os livros mais recentes de ALA virão a tomar, existe ainda uma certa linearidade na forma de contar.

Ora bem, não é linear. Mas a forma como fracciona o discurso não é ainda tão elaborada como virá a ser.

Também pelo facto de me parecer bastante autobiográfico tendo a aproximá-lo quer do “Cus de Judas” quer do já citado “Memória de Elefante”.

Se nos outros eram essencialmente as memórias da guerra, que imprimiu marcas indeléveis no autor, que prevaleciam neste, porém, é a sua experiência enquanto psiquiatra hospitalar que sobressai.

E vai fundo no contar dessas experiências. E veste a pele do doente psiquiátrico, a sua solidão a desolação do hospital em si. Explora as dúvidas e as amarguras do clínico.

Evidentes também as constantes alusões à sua família, a locais que foram seus locais, a uma vida que estou em crer terá sido também um pouco a sua.

Com um registo belíssimo, pejado de metáforas incríveis de pendor eminentemente poético, vai desfiando essa sua experiência negra ao longo de uma escrita na qual se vai notando um esforço no burilar da forma. A narrativa fica mais complexa e passamos a ter necessidade de acompanhar a vontade das personagens e não apenas o fio do enredo.

Como sempre deixou-me com água na boca.

Maia, 2010-10-20

quinta-feira, 3 de março de 2011

Pesa-me a pena

(Imagem da autoria de Miguel Ministro. Pormenor da capa do livro "Retalhos Serenos" de Carla Madureira)


Pesa-me a pena de me sentir pequena.

Ínfima no saber, no querer, na determinação.

Pesa-me a pena de me sentir escorregar

dia a dia, hora a hora, num curso imparável,

que não travo, a que não sei dizer não.

Onde andas tu, vontade? E tu ousadia?

E a confiança que tão precisa era agora?

E algo que me atropele esta agonia

de sentir que, de mim, apenas encontro uma sugestão?

Pesa-me a pena das penas que hora a hora, dia a dia,

me abalam no meu querer, me quebram a ousadia,

me atrapalham a emoção.

Pesa-me a pena…

terça-feira, 1 de março de 2011

Crónica de terça “O sorriso da Alexandra Malheiro”

E afinal não é que o fotógrafo passou por lá!!!! E nada mais nada menos do que o prestigiado Carlos Romão. Obrigada, amigo, pelo momento.

Em primeiro lugar quero aqui deixar bem explícito que não sei escrever crónicas. Nem à terça, nem à quarta, nem à quinta… em dia nenhum. Na verdade, mesmo a minha capacidade de escrever no seu sentido mais estrito me deixa muitas dúvidas, à segunda, à terça, à quarta… todos os dias.

Mas hoje não pude deixar de reagir e responder, ou acrescentar algo à crónica que podemos ler aqui.

Foi tudo verdadinha e tal e qual como lá está.

Coube-me a mim, já que estava sentada na esplanada do tal “quartel-general da macro-editora a quem pertencem os títulos” de Lobo Antunes, controlar o movimento em torno deste a fim de proporcionar o autógrafo pretendido pela Alexandra desviando-a o menos tempo possível dos seus fãs.

Depois de eu própria ter visto os meus livros com uma grossa assinatura e ter até - pasme-se, ele fala normalmente - tido uma pequena conversa com o autor na qual se falou das mulheres do norte, da guerra, de Angola, de escrita, constatando que a longa fila já não estava tão longa pus-me a abanar freneticamente a écharpe que nesse dia me complementava a toilette. Era o sinal para que a Alexandra pudesse deixar o “quartel-general” da sua editora e trazer o tão raro livro para ser gatafunhado por ALA.

Giro de observar foi o espanto do autor quando viu na frente um livro que não contava ver. Não fazia parte do conjunto dos seus best-sellers, era um livro de poesia, belíssimo, digo eu, editado nem sei por quem.

Primeiro disse que já nem se lembrava dele, depois que nem sabia se o tinha e, finalmente, virou-se para a Alexandra que o fitava com o seu ar absolutamente impávido e, como quem pergunta, disse-lhe: - É uma merda, não é!?

Ao que a Alexandra, acto contínuo respondeu: - Para mim, é o seu melhor livro!

Ele sorriu com um sorriso garoto de cumplicidade e a Alexandra devolveu-lhe uma sugestão de sorriso, muito sua. O dele, como podem ler na crónica, a Alexandra, com a sensibilidade de poeta que lhe sobeja, agarrou e guardou junto àquele livro e, quiçá, bem junto a si.