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quinta-feira, 10 de março de 2011

“Sôbolos Rios Que Vão” de António Lobo Antunes

E pronto, lá voltei a ler o livro que me tinha deixado uma impressão pouco definida. E, na verdade, eu gosto pouco de indefinições.

Tal como previa a percepção que tive agora dele foi completamente diferente daquela que adveio da primeira leitura. Obviamente pelo facto de ser uma segunda leitura e, portanto, conhecedora já das linhas mestras da narrativa, pude-me debruçar com mais tempo e vontade sobre as imensas subtilezas que este livro contém.

Como já nos habituou apresenta-nos uma escrita fragmentada. Nada em nenhum momento desta narrativa é linear. Vai arquitectando planos diversos, competindo ao leitor organizá-los, encaixá-los e criar uma narrativa coesa.

Depois desta segunda leitura, a opinião com que fiquei foi que terá sido este o livro em que esta fragmentação, este entrecortar do discurso se encontra no seu ponto mais perfeito. Mais fácil? Não. Mas mais perfeito.

As diversas referências de espaços e tempos diferentes surgem aqui desde o início, desde que o Sr. Antunes entra no hospital, ao mesmo tempo que o Antoninho se encolhe de medo da D.Lucrécia na sua cadeira de rodas, na vila? na enfermaria do hospital?

E, enquanto ele, Sr. Antunes se encontra no hospital e é sujeito a uma complicada intervenção cirúrgica, as suas memórias vão fluindo como um rio recordando os seus avós (Antoninho), os seus pais, o Virgílio, a carroça, o burro, o ditado “o menino me deu vida…”a vida na vila, o ouriço que se dilatava e continuava consigo emboscado nas vísceras, o pássaro do seu medo que continuava em círculos, a sua nudez que o humilha, a sua impotência perante a doença, a veia que não tem (Sr. Antunes) e vão prosseguindo num entrelaçar contínuo de personagens, locais e tempos por todo o livro até ao final.

Este, simbólico, no meu ponto de vista, uma vez que uma das últimas alusões à sua infância é o seu próprio nascimento. O seu renascimento, quem sabe…

Contudo, voltando um pouquinho atrás, na minha opinião não é a coesão da narrativa o mais importante neste livro (assim como em outros de ALA) mas sim a beleza da sua escrita. É realmente uma escrita que revela uma qualidade, uma mestria no jogo das palavras que nos subjuga. Alia a isso um pendor incrivelmente poético. Há frases no livro que são, só por si, um poema: …”e ele sem descer com os rios, as folhinhas desciam, os ovos de gafanhoto desciam, um ramo de salgueiro descia girando, nós não descíamos pai,”…

É e julgo não haver dúvidas para ninguém, um livro inteiramente autobiográfico. Quer no que se refere ao episódio da doença quer aos outros da sua infância e não só. Aliás até os nomes o sugerem. Já outros o foram e nem por isso ficaram diminuídos na sua qualidade.

Enfim, alguém me disse há uns tempos quando conversávamos acerca do livro que o considerava “o livro perfeito”. Eu cá não sei muito bem o que é um livro perfeito, nunca encontrei nenhum. Encontrei livros que me marcaram profundamente pelas mais diversas razões mas (exigentinha!), estou sempre à espera de outros que me marquem ainda mais.

Portanto, perfeito… não sei, acho que não.

Bom, a ler, sem a menor dúvida. E, já agora, esqueçam a expectativa, só estorva…

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