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sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Carta à minha mãe


Carta à minha mãe
Hoje é o teu dia.
Completas 94 anos.
Na sua maioria, anos plenos,
sem abstracções, hesitações
e tão cheios daquela incoerência sábia que a vida nos dá.
É um dia feliz.
Cresce, porém, ao rés das pestanas,
uma lágrima teimosa que me cega os devaneios
e me queima a pálpebra que não quero abrir.
É que me dói um bocadinho que te tenhas recolhido
para um qualquer lugar a que não chego
– e fico tão só;
que tenhas perdido a vontade de olhar com aquele brilho que era tão teu;
que tenhas ganho essa fragilidade que nunca foi tua
e te deixa vulnerável e incapaz de encontrar caminho que te leve a ti.
E aqui fico eu, desprotegida, sem chão,
espantada com a inevitabilidade dos ressaltos da vida.
Tão consciente da sua brevidade.
Sabes, talvez não devesses ter ido sem nos dizer como te encontrar.
Mas não faz mal.
Hoje, mais uma vez, estaremos contigo.
Talvez até já te possa dar
um abraço
,
ou pegar-te devagarinho na mão, não sei...
Mas acredito que, por um momento, por um momento que seja,
tu consigas ainda abrir um sorriso e brilhar para nós.
Será o momento maior de todos os momentos.
Será um dia feliz.
Celeste Pereira
2021-08-06

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