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domingo, 20 de setembro de 2009

Soube-me bem!



Hoje tive oportunidade de dizer o poema que se segue com este belíssimo som de fundo.

Não foi tocado por Astor Piazzolla, é certo, nem acompanhado de uma orquestra. Mas, a Fátima Santos arrancou do seu acordeão, de forma belíssima, este ritmo fremente que tão bem acompanhou o poema que, como poderão apreciar, também é, ele próprio, um grito da alma.



Rasgos de loucura

Apetece-me correr. Correr, num grito desvairado.
Assustar medos.
Não parar. Castigar o corpo. Martirizá-lo, até à exaustão.
Apetece-me correr, correr, correr...
acabaria num choro, prostrada no chão. Sem forças.
Cada passada seria um grito mudo... porque me apetece gritar.
Cada passada seria um desabafo... porque me apetece desabafar.
Deste fogo... que não consigo apagar.
Tu. Que me queimas.
Importa se não é o que queres?! É o que sinto.
Como esta vontade enorme de gritar.
A noite não me traz a calma do sono.
O descanso dos pensamentos.

A noite nada me traz a não ser eu mesma... outra vez!
Num corrupio de ideias sem nexo. Electrizantes.
Uma mistura de frases incompreensíveis. Como tu!
Um desassossego que acabaria no fundo de um abismo.
Numa opção de paz eterna.
Eu corro. Desmedidamente, desvairadamente, ofegantemente, exaustivamente, loucamente, arrebatadamente... para calar os gritos.
E não calo!
O nó que trago na garganta não se desaperta. Prende-se, a cada grito. Mais!
Afogo-me no ar que respiro. Sufoco no excesso de luz que me persegue.
Apetece-me correr. Correr, correr, correr... apetece-me não parar até o meu corpo rebentar...

Luísa Azevedo (In "pin uma explicação de ternura", da Edita-me)

17 comentários:

wallper.lima disse...

Lindo! Simplemente lindo! Realmente é um grito da alma! Fico imaginando o som do acordeon e vc lendo, vivendo, interpretando todas essas palavras tão profundas, e que mexem mto com a gente!
Parabéns pelo trabalho de ambas.
Bejos.
Wal.

Tia [Zen] disse...

E que bom foi ouvi-la!
Bjs

Donagata disse...

Obrigada a ambas. Ainda bem que foi bom ouvir pois, seguramente, foi um privilégio dizer os poemas que a Luísa me deu para "vestir".

pin gente disse...

tenho que repetir TUDO o que escrevi no post de baixo... estou muito feliz!
fiz copy/past:
"vim aqui prestar a minha homenagem à tua maravilhosa forma de dizer as palavras dos outros. como ouvinte fiquei maravilhada, como amiga orgulhosa, como autora só posso dizer-te "mil vezes obrigada, celeste!".
na tua boca, voz, corpo, olhar, alma e tudo o mais que usas para nos envolver... as minhas palavras ganharam a vida gosto de lhes ouvir! foste um valor maior para este livro.
obrigada por tudo, tudo, tudo...
não esquecerei, nunca!
foi bonito demais (sem que o demais queira dizer supérfluo)!
beijo do tamanho do prazer que tive de te ter a meu lado... ENORMES portanto!
luísa"


acrescento o seguinte:
tenho muito prazer (e estou certa que a edita-me, na pessoa de carlos lopes, o permitirá) que escolhas mais um texto para ler no evento de lisboa (na leitura estaremos as duas e o carlos).
muitos beijos
luísa

Donagata disse...

Luísa, estou sem palavras (quase)... Fiquei muito contente por, com a minha simples leitura ter provocado tudo isto que dizes em ti, autora. Penso que seja um sinal de ter interpretado as tuas palavras com a intenção com que as escreveste. Estou comovida agora, com o que li, da mesma forma que, muitas vezes, me comovo a dizer-te.

Um beijo um tanto fungado (estou mesmo a ficar velha) e sabes que podes contar comigo quando o desejares.

Mar Arável disse...

Que belo

E eu aqui tão perto

Andarilhus disse...

Foi de facto uma associação de criativos factores que gerou momento tão bem tratado, na palavra, na entoação sentida da palavra e na musicalidade bem ritmada da palavra...
Gostei muito de lá ter estado. ;)
Parabéns a todos!!!!

Andarilhus

Donagata disse...

Obrigada pela parte que a mim me coube.

mar arável, dia 10 estaremos em Lisboa. Aí, sim, será perto. Gostaria de o ver lá...

Anónimo disse...

Apetece-me correr. Correr, correr, correr... apetece-me não parar até o meu corpo rebentar...

Porque será que adorei este poema?

Donagata disse...

Porque é bom.

Anónimo disse...

Parcialmente certo: porque correu ao dizê-lo! ;)

BlueVelvet disse...

E como eu gostaria de te ter ouvido.
Sublime!
Beijinhos

Donagata disse...

Blue Velvet!!!! E como eu gostaria de a ver por aqui!

Beijos. Muitos.

Irene Moreira disse...

Cheguei bem de mansinho aqui em seu cantinho através da Wallarte. Muito tímida após ler sua postagem onde fala do Ponto de Cruz, compreendo sua citação e confesso que pouco vi ,mas o pouco que li me encantou e voltarei com mais calma para degustar as suas postagens. Falar na cidade do Porto e em Portugal me leva as minhas origens e só a Wall para descrever com tamanha riqueza. Parabéns e Beijos

BCas disse...

O poema é belo, a música arrepiante, e fico a imaginar uma leitura com este fundo, no encantador acento da língua portuguesa,que é tão melodioso.
Se um dia meus caminhos me levarem a Portugal certamente procurarei uma destas salas de leitura.Beijocas

Tais Luso de Carvalho disse...

Lindo poema! Deixei-me me levar de tal maneira que ao terminar me sentí um pouco ansiosa. É um grito de angústia. Quando há uma ligação entre o poeta e o leitor é porque o poema cumpriu seu papel, não.

beijos
tais luso

Donagata disse...

É isso mesmo que sinto ao lê-lo, um grito de angústia que me comove.