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sexta-feira, 13 de junho de 2008

A Biblioteca de Alexandria

Ainda acerca do estatuto da mulher em Alexandria, eis um excerto de Carl Sagan que ilustra bem como ascendia a cargos tão importantes cultural e institucionalmente falando.

Nem sempre, é claro, com bons desfechos. Mas esses, resultaram como muito frequentemente ao longo da história, da “defesa dos valores cristãos”. E que valores!

“Hipátia (370-415 DC), filha de Theron, era uma cientista, matemática, astrónoma, líder da escola de filosofia neo-platónica e directora da Biblioteca de Alexandria. Cirilo, o arcebispo de Alexandria, odiava-a por ela ser um símbolo da ciência e da cultura que, para a igreja primitiva, representavam o paganismo. Ela continuou o seu trabalho apesar das ameaças até que, no ano de 415, foi cercada pelos monges e paroquianos de Cirilo, despida e esfolada até a morte com cacos de cerâmica. Seus restos foram queimados, suas obras destruídas e Cirilo foi canonizado.”

Carl Sagan - Astrónomo e escritor americano, 1934-199

Dado que o excerto nos remete para a biblioteca de Alexandria, gostaria de partilhar algumas, poucas, curiosidades acerca deste Templo do Saber dos tempos clássicos.

Pensa-se que a Biblioteca da Alexandria tenha sido iniciada por Ptolomeu I (305-283 a. C.), auto denominado Sóter (o salvador), incitado por Demétrio de Falero. Contudo, quem terá levado essa tarefa avante terá sido seu filho, Ptolomeu II ou Ptolomeu Filadelfo (o amado da irmã, [por ter contraído matrimónio com sua irmã a exemplo de alguns faraós da antiguidade egípcia]). Remonta também ao seu reinado O Farol de Alexandria e um canal que liga o Nilo ao Delta.

Terá sido construída junto do “Moseion”, que significa, em grego, lugar dedicado às musas, divindades da mitologia inspiradoras das artes.
A sua organização inicial tem sido sempre atribuída a Demétrio de Falero.

Entre 280 a. C. e 416 terá reunido o maior acervo de livros da antiguidade. Estima-se que albergasse mais de 400 000 rolos de papiro podendo até ter chegado a 1 milhão.
Destinava-se a preservar e a divulgar a cultura nacional, embora possuísse documentos de toda a parte do mundo civilizado. Fabricava e vendia papiros. Era um centro de cultura e fonte de investigação para o mundo das ciências e das letras tendo deixado por isso um legado determinante para o desenvolvimento da humanidade tal como a conhecemos. A ela estão ligados directamente nomes como a já referida Hipátia de Alexandria, Calímaco de Cirene, Euclides de Alexandria, Eratóstenes de Cirene, Aristófanes, Apolónio de Perga, Aristarco de Samos, para citar apenas alguns e, indirectamente, outros como Arquimedes de Siracusa e Nicómono de Gerasa.

Foi aí que foi elaborada a Septuaginta (em latim, setenta). Formada por setenta manuscritos que constituem a tradução do Pentateuco (os cinco primeiros livros da bíblia), conhecido entre os hebreus por Tóra (escrituras hebraicas), para o grego (século III a. C.), organizadas por setenta e dois eruditos, rabinos, em setenta e dois dias (segundo a lenda).
A Septuaginta foi também usada como base para diversas traduções da Bíblia.

Também aí, Zénodo estruturou a Ilíada e a Odisseia em 24 cantos cada retirando-lhe os versos espúrios. Era também encarregado da tutoria dos príncipes reais a quem devia educar nas leituras e no gosto.

A biblioteca foi destruída parcialmente inúmeras vezes até vir a ser completamente extinta. Até há bem pouco tempo responsabilizavam-se os muçulmanos na pessoa de Omar de Damasco de ter ordenado ao seu general Amrou a sua destruição pelo fogo aquando da ocupação da cidade pelas tropas árabes (em 642). Contudo, actualmente, a teoria mais consensual é a que diz que terá sido destruída por uma multidão cristã, provavelmente no ano de 391, instigada pelo Patriarca de Alexandria, o Bispo Teófilo, cristão fundamentalista, o qual terá visto ali o que ele considerava um depósito de maldades, de paganismo e ateísmo. Quando os muçulmanos tomaram a cidade já nada restaria da antiga biblioteca.

Em 2004, é noticiado que um grupo de arqueólogos descobre uma estrutura de 13 salas, capazes de albergar mais de quinhentos alunos, que se supõe ser o que resta do maior templo do saber dos tempos clássicos.

Em 2003 é construída uma nova Biblioteca de Alexandria procurando-se que possa vir a ocupar o lugar e a importância da sua antecessora.

1 comentário:

Carla disse...

A Biblioteca de Alexandria desperta em mim, confesso, um sentimento misterioso. Pensar na imensidão dos actos, do trabalho elaborado, dos tantos que se perderam...
Obrigada pela partilha.
Bom domingo :)