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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Herdeira

Maicat's Black Adder

Por razões deveras dolorosa sobre as quais não tenho qualquer intenção de falar, eis que, quando dou por ela, me tornei herdeira.

Não “Herdeira”, aquele termo nobre que distingue uma casta de seres superiormente dotados que provém do meu lado materno e, no seu caso, pela via paterna.

Nunca ninguém me explicou muito bem quem eram esses tais “Herdeiros” detentores das mais elevadas capacidades, seja qual for a área de conhecimento a que nos queiramos referir, aos quais, evidentemente, eu não pertenço.

Isso é coisa reservada apenas a … ia dizer meia dúzia, mas, ainda de acordo com a minha mãe única fonte que possuo, não passa sequer da metade…. Vejamos: a minha mãe (auto-intitulada), um irmão seu, o meu avô, seu pai, na geração anterior e, a bem dizer, nesta geração mais recente, naturalmente já nem os há…. Pelo menos assim daqueles mesmo bons. Eventualmente haverá uns pouquinhos que andarão lá pelas bordinhas mas não passam daí mesmo.

Devo confessar que sempre senti um pouco de tristeza de não ser nem um bocadinho “Herdeira” e, portanto, alfobre de um montão de defeitos que herdei (mais uma vez chamo a atenção para o facto de serem palavras de semântica completamente diferente apesar da homonímia que patenteiam) pela via paterna.

Este descontentamento trouxe-me até, em dada altura da minha adolescência, graves problemas existenciais e de grande desesperança. Era difícil viver numa família pertencendo à sua estirpe menos desenvolvida.

Mas, enfim, lá sobrevivi.

E, finalmente, há poucos dias, tornei-me herdeira (das comuns, das fraquinhas, repito). Herdei um gato!

Ora nem mais. Na verdade quase nem podia ser outra coisa.

Herdei o Black, o gato que acompanhou a minha sogra nos últimos 10 anos e que não poderia permanecer lá em casa sozinho.

Nascido cá em casa, numa época em que aqui nasceram vários Bosques da Noruega, foi oferecido aos meus sogros e lá permaneceu até ao passado dia 3….

Este texto, embora motivado pela morte recente da minha sogra, mulher serena mas extraordinária na sua determinação e na sua entrega a causas apesar das limitações que, desde cedo, a restringiram na sua mobilidade e que deixou um enorme vazio na vida de muitos, não lhe é dedicado. Não sou ainda capaz de utilizar este tom jocoso ( embora suave e carinhoso) em nada que escreva a seu respeito. Apesar de, na verdade, ser também possuidora de um enorme sentido de humor e da gargalhada mais fácil e mais alegre que me foi dado ouvir. Provavelmente até acharia graça…

Contudo, este é dedicado à minha mãe.

Senhora de 82 anos, ela sim, uma verdadeira “Herdeira” no sentido familiar (e de remoque, diga-se) do termo. Aliás ela é o paradigma da “herdeirice”, o modelo, a detentora do padrão de verdade no conceito mais absoluto ( e absolutista) do termo.

Características que exerce com toda a pertinácia e de forma incansável.

E sabem que mais? Ainda bem que assim é. Muito triste ficarei quando a sentir perder essas qualidades que tanto a caracterizam e não tivermos mais razões para as profícuas discussões que por vezes temos.

Sobretudo agora que sou também, finalmente, uma herdeira. De um gato, é certo, mas uma herdeira.

7 comentários:

BCas disse...

Oi Donagata!
Apesar das circunstâncias tristonhas parabéns pelo legado.
Um gato é acontecimento ímpar na vida, eo s pretos parece que esbanjam gaiatice e elegãncia.
Temos um pretinho lindo que se chama Ronron, por motivos óbvios, mas já se chamou Maria ,num breve período de tempo quando era nenen, e uma bolinha de pelos menos óbvia.
Black será uma dádiva como todo gato. Beijocas de Elisabeth

Mar Arável disse...

Agora será o gato a ter de adaptar-se

Creio que está em boas mãos

Donagata disse...

Obrigada a ambos.
É verdade, Elisabeth. pelo menos para mim um gato, um cão ou um bicharoco qualquer, são excelentes legados. mas, confesso, que tenho uma empatia muito particular com os gatos. Com os cães também. Gosto muito deles. Mas os gatos são mais parecidos comigo, entendemo-nos sempre...

Mar Arável, curiosamente o gato está completamente adaptado. Procede como se nunca tivesse de cá saído e não tivessem passado dez anos....

Ainda bem que veio. Perdi hoje um que significava muito para mim.

Beijos.

Anónimo disse...

Gatinho com sorte. Com muita sorte.

Anónimo disse...

Parece que foi ontem.. O avô dizia "eu não quero mais gatos" quando no natal recebe aquele embrulhinho pequeno.
Em todos os momentos o gato estava presente! Enquanto o avô esteve doente deitava-se ao lado dele dia e noite.
Foi, também, companheiro incondicional da avó, ajudando a a ultrapassar a dor quando a Rafeira morreu. Mesmo nos últimos tempos como não podia deitar-se na cama, porque a avó não podia com o bicharoco, deitava-se na cadeira mais próxima dela e quando tinha uma oportunidade lá ele tentava a sua sorte. E teve coitadinho nas vésperas.

Eu sei que ele está em boas mãos e que como vi ele adaptou-se bastante bem à nova casa, se bem que foi mais um regresso às origens mas pronto.


Parece que agora tenh mais uma boa razão para ir a tua casa mais vezes, tia. =)

Beijos*

Ana Margarida

Chatwinesque disse...

Lembro-me que há uns anos - em 1987, se não me engano - me contaste essa história dos "herdeiros", e acho que até achámos que eu tb era um. Não queres refrescar-me a memória? Sobretudo porque agora tb és uma.... :)

Donagata disse...

Chatwinesque, tu és o paradigma da herdeirice! Apenas ultrapassado pelo teu pai, claro e, seguramente, pela tua tia. Embora, também te deva dizer ser com muita dificuldade que se admite que um elemento de da 3ª geração possa ser "Herdeiro".
Eu nem sei bem de onde vem o termo. Apenas sei que eu não pertenço, nunca pertenci e julgo que nunca pertencerei ao grupo dos eleitos. Apenas sei que era uma parte da família do teu pai, mais propriamente do teu avô, particularmente inteligente. Não sei se sabes que o teu avô nunca frequentou a escola na idade própria embora o pai fosse o dono da casa onde ela funcionava. Portanto, julgo eu, deviam ter posses... Daí, talvez, a palavra herdeiros... Mas isso não sei e a mamã também não me soube explicar.
Mas, embora não tenha frequentado a escola, aprendeu a ler e a escrever sozinho, por uma cartilha que alguém lhe deu, enquanto guardava o gado no pasto. Escrevia nas pedras que, naquela região, são xistosas. Mais tarde, como militar, fez os exames todos que necessitou para se habilitar aos postos que exerceu, sempre com distinção. Eu, que o conheci muito bem, só te digo que era um homem muitíssimo culto. Com ele aprendi muitas coisas.
Talvez o teu pai saiba mais coisas e melhor contadas, não sei...