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sexta-feira, 2 de abril de 2010

“a máquina de fazer espanhóis” de Valter Hugo Mãe


Acabei agorinha mesmo de o ler. É certo que costumo dar um tempo de reflexão antes de escrever sobre o que leio. Contudo, foi um apetite grande, uma urgência, que senti em registar já, o que se me oferece dizer sobre o livro. E porquê? Porque sinto ainda aquele travo quase imperceptível, é certo, da decepção… Não que considere que li um livro mau (se é que existem). Não. Atrevo-me (que nestas lides sou de grande atrevimento)até a considerá-lo mesmo muito bom. O problema está nesta coisa das expectativas. É que considerei os livros anteriores do autor excelentes. Considerei possuírem aquela centelha que lhes confere a diferença entre um livro bom e aquele que é algo mais, indefinível, pelo menos por mim, mas que lhe confere um estatuto diferente. Talvez o de livro a não perder… Daí a minha expectativa. Daí procurar, neste, algo ainda mais inspirado o que, no meu ponto de vista, não aconteceu.


Passaram quase duas semanas desde que escrevi as palavras acima.
Decidi então parar ali mesmo pelo receio que tive de, por estar a comentar muito “a quente”, poder, de algum modo condicionar, a minha capacidade de ajuizar.

Pois bem. Depois de uma reflexão bem longa, para o que é habitual, não alterei, em nada a minha opinião.
Continuo a achar que li um livro muito bom, que foca um tema extremamente actual e doloroso, talvez, mas também terno e com lufadas de esperança e de vitalidade. Fá-lo, como habitualmente com um tipo de escrita de qualidade surpreendente. Sem pejos, forte, cativa o leitor desde as primeiras páginas não só pelo conteúdo mas também pela forma.

Confesso, porém, que neste livro, mais do que nos anteriores, pareceram-me um tanto a despropósito algumas liberdades de recriação da língua que, a meu ver, está mais do que criada. É necessário, isso sim, saber esgrimi-la. E Valter, sem dúvida, sabe-o…
É que a não utilização de maiúsculas, concorde eu ou não, é mais ou menos inócua, não causa ruído na leitura. Não prejudica em nada o fluxo narrativo. É uma questão, julgo eu, de “conceito”…
Já a supressão de uma boa parte das marcas do discurso directo utilizando apenas pontos finais (sem as tais maiúsculas, claro) ou a colocação de diálogos entre aspas (citações?), parece-me algo desnecessário mesmo compreendendo eu e aceitando bem a irreverência e o arrojo necessários à criação de novos conceitos de arte.
A literatura é, sem dúvida, uma arte maior. Porém será que temos uma Língua tão pobre, tão inflexível, tão espartilhada na sua forma que temos que a subverter para criar algo novo?
Suponho que não. Outros há que são verdadeiros mágicos da palavra sem desvirtuarem as regras da boa escrita em português.

Uma curiosidade que achei deveras interessante: a utilização do Inspector da Polícia Judiciária Jaime Ramos e do seu ajudante, personagens criadas por Francisco José Viegas, “heróis” dos seus policiais.

Valter Hugo Mãe continua a ser, no meu ponto de vista, um dos autores mais promissores, mais do que promissor, com créditos já bem firmados, de uma nova geração de escritores muito bons.


Já agora, à laia de remate, apenas uma achega. Com esta capa, se não conhecesse o autor, provavelmente nem teria a curiosidade de pegar no livro para ler a sinopse...

4 comentários:

pin gente disse...

não li, mas fiquei curiosa.
obrigada!

um abraço

Donagata disse...

E um autor excelente.

Tiago Franco disse...

Foi o meu primeiro livro de Valter Hugo Mãe e adorei. Acho que é uma óptima crítica ao nosso comportamento com os mais idosos. Mas o livro é muito mais abrangente do que isso, pois não se limita a criticar apenas o nosso comportamento relativamente aos "mais velhos", aborda também temas como a fé, conta-nos factos na nossa história entre outros. Para mim um excelente livro.

Donagata disse...

Tiago, se gostou deste, não pare. Leia os outros. Valter Hugo Mãe é um autor de excelência.