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domingo, 26 de outubro de 2008

Coisas que me acontecem!

(Imagem: "Mother anda Child" by Picasso)

Pouco depois de ter chegado de férias tinha de levar a minha mãe a uma consulta daquelas que são marcadas de meio em meio ano e, quando falhadas, lá leva quase outro meio ano a marcar.

Assim, e por ser um assunto que não me podia sair da cabeça, fixei completamente a data, dia 20 de Outubro, confirmei-a várias vezes, no papelinho, e fui avisando a minha mãe para que não se esquecesse que a ia buscar cedinho nesse dia.

Chegado o dia (20), lá me faço ao caminho para buscar a senhora que detesta levantar-se cedo (8H é quase madrugada).

Apanhamos um trânsito infernal, como não me lembro de algum dia ter apanhado, até que, depois de muitas paragens, alguns insultos ligeiros (ia com a minha mãe…) e muitos golpes de volante, lá chegamos ao hospital já com algum tempo de atraso.

Quando cheguei fiquei de imediato estarrecida: a fila para a confirmação da consulta já tinha saído do interior do edifício e prolongava-se quase até ao portão. Algo que, devo confessar, era absolutamente inédito ali.

Foi nesse momento que a mamã se vira para mim e diz:

- Ai filha, mudei de carteira e não trago cartão nenhum; nem de identificação, nem de saúde, nem… nenhum, pronto.

Devo referir que também já há muito que a mamã havia perdido o papel da consulta, contudo eu levava um antigo onde tinha, por precaução, anotado as datas consultas seguintes.

Com um ar que presumo indescritível disse-lhe que embora devesse ser mais atenta a essas coisas, naturalmente não haveria problema uma vez que tem ficha no hospital e que não se preocupasse e se fosse sentar a ler o jornal enquanto eu aguardava na fila.

A fila lá foi escoando, até com alguma fluidez até que, quando já era aí a 4ª ou 5ª pessoa, tiro o papel da carteira para ser mais rápido e, imediatamente me salta à vista a data que eu havia escrito: 22 de Outubro.

22 de Outubro! Não pode ser! Ainda ontem li, neste mesmo papel, dia 20!

Um tanto atordoada, pergunto ao senhor que se encontrava à minha frente em que dia estávamos. Ao que ele respondeu:

- Estamos no dia 20, minha senhora.

Eu, peguei no papel, virei-o para o senhor e perguntei-lhe: - E aqui diz?

- 22, minha senhora. Responde ele já com um ar algo intrigado como quem diz “querem ver que me saiu uma maluca!”

Lá saio da fila, vou buscar a minha mãe que se encontrava calmamente a ler o jornal e digo-lhe:

- Mamã, vamos embora. Nada feito.

- Por causa dos cartões, é? Perguntou ela.

- Não, mamã. A consulta é que é só depois de amanhã. Não sei como raio aconteceu pois vim inúmeras vezes confirmar e sempre cá esteve o 20, mas agora não está.

Bom, lá fomos embora tendo eu dito, para minorar o aborrecimento e para me convencer a mim própria, que até tinha sido bom. Sem querer tínhamos ido dar uma volta. Estas é que sabem bem. Fomos de seguida a um salão de chá muito acolhedor que há ali próximo para que eu tomasse um café e a mamã o seu chá.

Devo dizer que estranhei o silêncio da minha mãe que, até ali, pouco havia dito. Todos os que a conhecem sabem que o silêncio na minha mãe é inusitado, eu diria que é quase impossível, mas atribuí-o ao facto de estar arreliada por ter tido de se levantar tão cedo para nada e de ter de repetir o ritual daí a dois dias.

Contudo, quando estávamos a meio ela do seu chá, eu do meu café, vira-se para mim com o ar mais preocupado do mundo e diz-me:

- Oh Maria Celeste! Se tu agora também ficas mal da cabeça, o que vai ser de todos nós???

Termino aqui. Devo dizer que fiquei terrivelmente emocionada pois não me tinha apercebido ainda da consciência de dependência que a minha mãe tem. E isso é o que me magoa. A minha mãe nunca dependeu de ninguém. Pelo contrário, alguns dependeram dela (e ainda dependem de uma forma ou de outra), e sempre foi uma mulher de mandar, de gerir e nunca de esperar que ninguém lhe resolvesse nada.

Não foi o facto de ela pensar que eu estaria a ficar tola que me incomodou, mas sim a sua perfeita noção de desamparo no caso de isso poder acontecer.

Claro que o episódio acabou com as duas a rirmo-nos muito uma vez que eu lhe disse que estava surpreendida que uma mulher inteligente como ela, uma herdeira (isto é uma piada familiar), ainda não se tivesse apercebido que avariadinha cá do 5º andar já eu era há muito tempo. Este havia sido apenas um episódio, dos menos graves até.

Para quem leu, peço desculpa deste desabafo um tanto íntimo, mas a verdade é que é este o cantinho onde o posso fazer. Foi também com este objectivo que o criei.

15 comentários:

Jonathan da Costa disse...

ola celeste, passo aqui so pra de dar um "Oi!" e dizer q venho ao teu blogue sempre q posso...
aparece no meu (ainda é récem-nascido!): http://oasterisco1.blogspot.com

P.S: gostei do desabafo..:)

Donagata disse...

Olá Jota. Sejas bem-vindo. Andas há muito desaparecido.
Claro que, logo que tenha tempo, vou dar uma voltinha pelo teu novíssimo blog (este espero que seja para ficar...).

Alda M. Maia disse...

Não é uma questão de dependência: é mais um sentimento de confiança da sua Mãe que sabe poder sempre contar com a solidariedade da filha Maria Celeste, não lhe parece?
Em segundo lugar, faça como eu e veja sempre, em primeiro lugar, o aspecto cómico das situações.
Um abraço e um beijinho especial à sua Mãe.
Alda

Jonathan da Costa disse...

* correcção: http://asterisco1.blogspot.com e esse o enero correcto

Anónimo disse...

Alguém será a herdeira, Donagata, e a tua mãe (aliás como todos nós) sabemos que serás tu.

Anónimo disse...

O matriarcado dinástico no seu melhor. Beijos.
LS

Donagata disse...

LS, sinto-me importante. Essa palavra "dinástico" dá-me vontade de passar a utilizar o plural majestático. E devemos dizer que não sabemos se nos encontramos preparadas para tais responsabilidades...

Anónimo disse...

Ola Sra Donagata :)
Adorei o seu Desabafo !
Um momento de Especial Ternura esse em q a sua Mae lhe faz a dita pergunta ...
Lindo e muito ternurento !
Em relaçao ao dia da consulta , acontece ... :)

Beijo , Anibal Borges .

Donagata disse...

É verdade, Aníbal, é um momento realmente ternurento. Mas dá cá um frio quando nos apercebemos que aqueles que sempre cuidaram de nós SENTEM que não só já não cuidam como ainda dependem...
Beijos.

Anónimo disse...

Quando este tipo de coisas acontecem aos 38 é muito grave? Já lhe aconteciam aos 38?
Se em vez de Maria Celeste estivesse Susana não me admirava nada...

Donagata disse...

Quando chegar aos 38 eu digo-lhe se acontecem coisas semelhantes, tá!!!!

Beijos.

Já estou com saudades! Por onde anda a menina?

Anónimo disse...

XX fez anos na sexta. jantar, que a menina já não quer coisas de crianças, não é...
Fim-de-semana tem post. Espreite, recomendo...

BlueVelvet disse...

E depois deste delicioso texto ( desculpe o incómodo, mas está delicioso), atreve-se a pedir desculpa de o ter contado...
Pois venham mais.
Além do que, este enterneceu-me porque me lembrou a minha mãe.
Beijinhos

Donagata disse...

Como era tão pessoal, Bluevelvet, tive receio que pudesse ser desinteressante para quem o lesse.

Muitos beijos.

Anónimo disse...

Ola Sra Donagata :)
Desculpe , mas nao podia deixar de dizer mais uma vez q ADOREI esta sua partilha de um momento tao Seu !...
Obrigado pela Ternura q me fez sentir ...
Obrigado !!!

Beijo , Anibal Borges .

P.S. Bom Fim de Semana