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terça-feira, 21 de setembro de 2010

“Fado Alexandrino” de António Lobo Antunes


Este ano passei as minhas curtíssimas férias com dois belíssimos acompanhantes. O marido, sempre a melhor companhia de todas, e o “Fado Alexandrino”.
Companhias distintas, é certo, mas ambas excelentes.

Já acabei de ler o “Fado Alexandrino” (o marido mantém-se...) há uns tempos. Acabei-o ainda em férias e estas já terminaram há algumas semanas. Na verdade, não me tinha apetecido ainda escrever nada sobre ele. É que o impacto da sua leitura é tal que receio que tudo o que possa dizer a seu respeito venha a ser disparatado. Se não por outra razão, por supérfluo.

Mais um livro absolutamente cativante.
E não, não é pela originalidade do seu enredo. Na verdade ALA desenvolve um tema recorrente na maioria dos livros que li dele; as memórias da guerra e a forma como ela acabou por influenciar os percursos de vida de quem por lá passou.

Dito desta forma poderemos ser levados a pensar que, enfim, li mais do mesmo.

Nada disso!
Embora, como já disse, o assunto não seja novo, a verdade é que é explorado sempre de forma diversa.

Neste caso, ao longo das 715 páginas que constituem o livro, vamos acompanhando os desabafos que quatro (cinco? Tenho dúvidas em relação ao capitão, personagem apenas ouvinte)personagens, antigos combatentes em Moçambique de patentes diversas (do soldado ao general), num jantar de batalhão que teve lugar dez anos depois de terminada a guerra colonial, já completamente ébrios de vinho e de mágoa, vão desdobrando.

Bem, na realidade, quem tem que desdobrar e recompor o puzzle que é a escrita deste livro somos nós, os leitores. Confesso que foi dos que me criou maiores dificuldades em relação ao encaixe de todas as peças.

É que, embora esteja escrito numa linguagem de matriz eminentemente objectiva, as constantes interrupções e/ou descontinuidades discursivas entre os diversos narradores tornam-no um rendilhado difícil de compor. As diferentes vozes misturam-se, completam-se, galgando tempos e espaços sem que se desviem daquilo que, no meu ponto de vista, é o objectivo principal; dar-nos uma perspectiva, através do percurso de vida das personagens nesse período de 10 anos, de um Portugal antes, durante e num pós/ próximo do 25 de Abril de 1974.

Tudo decorre no espaço temporal de uma noite e uma manhã. Contudo, nesse espaço de tempo desfilam perante o leitor algumas vidas com as suas voltas, as suas lutas, os seus desencontros, as suas traições… e até, curiosamente, as suas interligações. Todas se tocaram a dado momento sem que de tal se apercebessem.

No decurso de cada uma delas e de todas ALA vai abordando, sempre de forma muito cáustica, muito dura, muito grotesca (provavelmente muito real na sua ficção) instituições militares e políticas, diversos sectores da sociedade, organizações partidárias, a polícia política, as prisões, a guerra…

É uma escrita talvez algo agónica pois, as vidas que se vão desenrolando perante nós, estão irremediavelmente presas à derrota, ao desânimo, ao fracasso, ao medo. Consequência das duras vivências da Guerra Colonial? Dos tempos conturbados e algo confusos do pós 25 de Abril? Do regresso a um status sócio/politico/económico algo semelhante ao anterior variando apenas os que dele se aproveitavam?

A linguagem usada é crua, dura, sem pudores, absolutamente adequada ao que nos quer transmitir. Porém, a narrativa está eivada de metáforas belíssimas, tornando o livro uma peça literária que só alguém com a mestria do autor poderia escrever.

E finalizo com o fim! É que este livro tem, na minha opinião um final inesperado. Para mim, pelo menos foi-o. E que final!

Não será um livro para dar início à leitura do autor. Mas é, seguramente, um fabuloso exemplar da sua obra.

5 comentários:

Ana Luísa disse...

Olá!!

Venho espreitar de vez em quando mas não costumo deixar comentários, mas venho aqui pedir um conselho: qual o melhor livro para começar a ler Lobo Antunes? Há tempos li "As Naus" e confesso que foi uma leitura difícil... que acabei por terminar antes de chegar ao final, coisa que me lembro de ter feito duas ou três vezes!

Beijinho:)
Ana Luísa

Donagata disse...

Olá Ana Luísa. Venha sempre.

Bom, no meu ponto de vista, provavelmente o melhor será mesmo começar pelo início. Não são os que agora gosto mais, é certo, mas são os menos complicados de ler por mais lineares na forma de contar.

Refiro-me aos "Memória de Elefante" e "Os cus de Judas"

Aliás, ultimamente decidi recomeçar a leitura da obra do autor por ordem de publicação. E, aqueles que já tinha lido,já os li agora de forma diferente...

Ana Luísa disse...

Obrigada Donagata:)

(e, já agora, podes tratar-me por tu!)

Ana Luísa (da Tininha!)

Donagata disse...

Viva, Ana Luísa! Apesar da coincidência do nome, sinceramente, não sabia que eras tu. Como sabes há muitas Marias na terra e Anas... bom,Anas há ainda mais.

Um beijo grande. Estás cá????

Ana Luísa disse...

Eu sei, eu sei, também não dei pista nenhuma...

Estou, por pouco tempo, de férias (ou quase...)!

Espero que esteja tudo bem:)
Beijinho!