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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

“Quantas Madrugadas tem a Noite” de Ondjaki

Este foi outro dos livros que ainda li em Nova Iorque. Este não foi propriamente um lenitivo. Foi, sem dúvida, um desafio.

Livro muito interessante mas apenas depois de lhe conseguir encontrar o ritmo. E este é um caso que constitui um verdadeiro desafio.

Escrito numa linguagem muito oral, completamente coloquial utiliza, além de palavras mal pronunciadas, léxico muito específico, com uma enorme profusão de termos próprios de uma linguagem africana, o que, para quem não está familiarizado com esse tipo de linguagem (como é o meu caso), torna algumas partes da narrativa quase ininteligíveis ou, pelo menos, muito maçadoras de ler dada a quantidade de consultas ao glossário que é necessário fazer.

Ultrapassado este primeiro obstáculo (para quem tiver vontade de o fazer), um pouco mais familiarizados com alguns termos que se repetem e adivinhando o sentido de outros, acabamos por encontrar uma história magnífica recheada de personagens que têm tanto de ricas e genuínas como de pitorescas e até caricatas.

Aqui podemos encontrar o anão BurkinaFaçam, um homem bom, que vive de expedientes vários e que tem a permanente companhia de duas prostitutas. O Jaí, albino de condição, professor e honesto até à medula de vocação. O AdolFodido, o defunto, herói de uma guerra que nunca poderia ter protagonizado. As suas duas viúvas. A KotadasAbelhas que se substituiu à abelha-mestra de uma colmeia depois de a matar. E o cão, o enigmático cão…

À medida que o narrador, em troca de umas cervejas (birras) vai desenrolando as fascinantes peripécias em que estas (e outras) personagens se vêem envolvidas, temos que admitir que estamos perante, não só uma capacidade imaginativa invulgar como também de uma, não menos invulgar, capacidade de escrita. É muito difícil escrever num registo coloquial sem que o resultado se ressinta no que diz respeito à qualidade literária. Tal não acontece neste caso.

Confesso que tiro muito mais prazer da leitura do, chamemos-lhe, português padrão quando bem escrito. Dado que não exige de mim nenhum esforço adicional permite-me, sem ruídos de qualquer espécie, concentrar-me no enredo e degustá-lo desde o início.

Contudo, e para ser completamente honesta, apesar das dificuldades iniciais, acabei por gostar muito do que li.

Recomendo. A leitura bem como a paciência para ultrapassar os primeiros desânimos.

3 comentários:

AM disse...

Há uns anos, quando esse livro era ainda recente, um amigo aconselhou-mo com muito empenho, descrevendo-o como um grande livro. Apaixonei-me pelo seu título, um poema diria eu. Tresli algumas páginas com algumas dificuldades por também eu ir emperrando no "pretoguês" que o autor desbrida e orgulhosamente usa por todo o livro. Na altura fiquei-me pelas primeiras páginas, não o comprei. De vez em quando cruzo-me com ele nas livrarias e penso recomeçar mas concluo sempre que "há lugares onde não regressamos"

Donagata disse...

Eu estou completamente de acordo. "há lugares onde não regressamos". Porém, há outros que nos surpreendem quando revisitados...
Não posso garantir que seja o caso deste.
Agora digo: se não tivesse passado essas primeiras páginas a perda era minha.

numadeletra disse...

Acabadinho de ler...

http://numadeletra.com/9280.html

Abraço,
numadeletra