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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Descaradamente, como uma criança


Há quarenta e três anos eu tive um filho.
E era lindo esse filho.
Julgo que era lindo
como todos os filhos que nascem de nós.
Há quarenta e três anos
eu soube o que era submergir no torvelinho do assombro.
Soube que os sonhos
podem vencer a essência dos impossíveis
e tornarem-se realidades lindas
concretas e suaves como a pele das flores.
Soube que daí para a frente nada seria igual,
acabar-se-iam as horas vazias,
os espaços em branco
e tudo se concentraria nessa espécie de prodígio,
nessa vida pequenina que eu segurava nos braços
e que, quase inexplicavelmente, amava até ao infinito.
Sorvi-lhe até à exaustão a doçura do olhar,
a macieza da pele e a candura dos cheiros.
Passei a saborear-lhe o trajecto
ao mesmo tempo que surgiam medos insuspeitados
- mas inequívocos -
que me enchiam o ventre de ecos
e me concediam a ferocidade do vento.
Foi há quarenta e três anos que,
descaradamente,
como uma criança, abracei uma nova primavera.
Parabéns
Miguel!
2022-08-10

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