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segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Com o sol colado na pele


Não te escrevi nada anteontem mamã,
dia em que completaste uns maravilhosos noventa e cinco anos,
não deu tempo.
Mas consegui estar contigo os minutos precisos para cantar
parabéns
e te dar
um abraço
pleno de sussurros inaudíveis,
daqueles que só o coração entende.
Estavas bem, alegre e conversadora no teu falar de agora.
Acho que gostaste que estivéssemos contigo
embora nessa nesga de compreensão que ainda te resta.
Quase apagaste aqueles últimos tempos imperfeitos
em que te retiraste para dentro de ti,
te escondeste da vida
e nos deixaste a respirar ventos filtrados de geada
que nos enchiam de silêncios um tanto humilhados.
Anteontem estiveste connosco.
Não contiveste as palavras
que falaste cheia de convicção e urgência
– embora pudessem não querer dizer o que querias
ou serem inteiramente perceptíveis –
nem os sorrisos com que nos encantaste.
Gostei de ti assim mamã.
Fiquei com o sol colado na pele
e ainda hoje lhe sinto o paladar.
2022-08-08

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