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quarta-feira, 6 de abril de 2022

Artur


Como é que eu sei, Artur, que não és um sonho?
Sabes,
é que eu amanheci nesse dia,
no dia em que nasceste,
quase sem saber que amanhecia.
A luz não chegava,
gastava-se toda em hemisférios
que eu não conhecia
e por onde cavalgavam
ecos de surpresa e de medo.
Mesmo assim eu sonhava.
E ia,
devagarinho,
limando todas as arestas da realidade,
calando todas as palavras que não fossem de encantar
e redesenhava-as muito bem com contornos de ternura.
E tu chegaste,
assim,
preso a elas,
que por sua vez
se encontravam muito juntinhas
a embalar-me a alma.
Não te sorvi o cheiro,
e foste tão intocável
como a manhã que não amanhecia.
Mesmo assim,
distante,
talhaste em mim um encanto que ainda hoje não entendo.
Um encanto todo ele da matéria dos sonhos;
um mundo de ternura com pozinhos de magia.
E persiste ainda hoje que já te toco,
que já te cheiro, que já te sinto o colo,
que alinhavo palavras contigo
e as vamos vestindo de espanto e ternura,
como nos sonhos.
Como um sonho...
Como sei, Artur, que não és o meu sonho mais belo?

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