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sexta-feira, 26 de junho de 2015

Devaneio

Rosa do meu jardim


Sentada no jardim,
rodeada de luz
e de uma largura imensa de tarde de verão,
descanso no devaneio.

Sob as saias brancas da audácia
finjo percursos
e ouso provar o interior da luz.
Abafo os uivos das palavras
que chocam nos dentes
e envolvo-as na ternura tépida da saliva.

Vou criando ecos
que calam o aperto cinzento e amargo
que se arredonda no peito
e emudece a alegria.

Mordem-me as ausências.
Mesmo as que se escondem sob a gentileza das pedras,
sob a ilusão do ainda estar,
do ainda ser…

Tento limpar o sal do dia
que se acumula no rosto claro da tarde e sobra
na lágrima que se desprende do olhar.

Na diáspora das palavras
busco afectos errantes,
noites passadas,
infâncias esquecidas.

E golpeiam-me as palavras
na cadência do sangue.

Crescem as infâncias,
seguro as noites passadas,
tento assear a alegria
e agarro os afectos pela esquina do sopro.

Embrulho-me no devaneio
e, obstinadamente,
quedo-me a ouvir o eco
de todas as palavras nunca ditas.



2 comentários:

Suzete Brainer disse...

Este poema além da excelência literária, das
belíssimas construções imagéticas, ele vai
além quando nos atravessa a alma (enorme emoção),
evocando um sentir tão profundo que viramos o
eco do eco dos sopros etéreos poéticos...

Eu adoro a poesia, fico feliz quando contacto
com a sua grandeza poética que é admirável.
Bravo!
Bjs.

Donagata disse...

Muito obrigada Suzete. Fico feliz por ter gostado.