
Confesso que, genericamente, gosto dos livros de ALA. Mais
de uns, menos de outros, mas sempre me dão um prazer imenso ler. Pela qualidade
da escrita e pelo desafio que, normalmente, comportam.
E, mais uma vez, assim aconteceu. Li-o há já uns tempos e
foi daqueles livros que não me apetecia pousar. Não me importava até de o ler
de novo, mesmo imediatamente a seguir (o que, regra geral, considero uma
parvoíce tendo em conta a imensa multidão de livros bons que nunca terei tempo de
ler). Além disso, desde logo cresceu em mim uma grande vontade de falar sobre
ele, dizer o quanto me tinha agradado, o quão refrescante é ler um livro que
nos preenche.
Pois bem, foi um caso de identificação desde o início. Em
primeiro lugar talvez porque, em determinados aspectos, me seja fácil
identificar-me com a personagem principal e compreendê-la. Temos idades
parecidas e, também eu, em criança, ia passar férias numa casa, junto ao mar,
à qual já não tenho acesso. Também eu teria gostado de me ter despedido dela, de
relembrar tempos, de ressuscitar memórias…Mas, na verdade, termina aí mesmo o
paralelismo das nossas vidas.
O livro, como outros de ALA, decorre num período de tempo
muito curto; três dias. A narrativa inicia-se na sexta-feira e termina no
domingo.
São apenas três dias na vida de uma mulher mas neles convergem
cinquenta e dois anos de lembranças nas quais cabem alegrias, entusiasmos,
sonhos, expectativas e desapontamentos.
Naquele rendilhado sublime de tempos e espaços que são,
seguramente, marca incontestável do autor e que aqui atinge uma mestria
desconcertante, vão desfilando as tardes de Verão passadas na praia com a mãe.
As imagens do relacionamento patético dos seus pais. A sua amiga que vive na
casa do lado e que, mais tarde, nem a reconhece nem lhe aceita a relembrança.
Mas também a perda do seu filho que nunca foi. A sua vida de desesperança. A
sua procura de conforto nos braços de duas colegas, que não deseja. A doença. A
mutilação. O medo…
Revive as viagens sentada no quadro da bicicleta do irmão
mais velho, o mesmo que salta da falésia como o burro escanzelado que também
dela resvalou. O balbuciar desajeitado do seu irmão surdo-mudo. A embriaguez do
pai. O remorso da mãe. A loucura do outro irmão resultante das suas
experiências em África, na guerra…
A saudade de ser amada pelo marido. A
frustração de ser professora numa escola, por aí. Os segredos que escrevia e
que escondia no muro do jardim. A despedida. O fascínio pela falésia com os
burros e as cabras de patas finas. Os melros, os muitos melros da casa, E, quem
sabe, o fim.
Um livro fabuloso. Um livro a não perder sob pretexto algum.
Mais uma vez um momento alto do escritor António Lobo
Antunes.
3 comentários:
Pois...
Se a vontade já era muita, agora ficou I M E N S A ! ! !
E este livro nem está na minha pilha... :(
Excelente texto o teu.
Como sempre.
Beijo Meu
É dos tais que entra sem tiket.
Li este livro e gostei muito, como já é habitual com as obras do António Lobo Antunes.
Fiquei com uma dúvida que gostava de partilhar consigo e saber a sua opinião: como é que entende a fala repetida do irmão não surdo? Aquela tal frase "Ata titi ata a tia atou" ?
Cumprimentos,
Bruno
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