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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

"O Teu Rosto Será o Último" de João Ricardo Pedro


Muito, muito bom.

Uma agradabilíssima surpresa vinda de um autor estreante mas que, seguramente, virá a dar muito que falar.

Comecei por gostar muito da forma de escrita de João Ricardo; forte, se bem que bonita, e com muito carácter. É uma escrita com identidade própria. Utiliza recursos e vocábulos que, esgrimidos de outra forma ou em contextos diferentes poderiam ser vulgares ou maçadores mas que, no seu caso, enriquecem e dão cunho próprio à escrita.

Depois, gostei da estrutura do romance porque nos conta, de facto, uma história mas nos permite ter uma parte activa na sua construção. Pelo menos deixa-nos com essa ilusão.

A narrativa é composta por um conjunto de episódios aparentemente soltos, autónomos, mas que se vão encaixando de modo a criar para nós uma história coesa.

Uma história sem pontas? Não creio. Julgo que nos compete a nós atar algumas. Mas, mesmo assim, uma boa história impregnada de momentos alegres, disparatados, tristes, de grande dor, enigmáticos, e aqueles absolutamente corriqueiros, do quotidiano de qualquer um. Uma história complexa acerca de um conjunto de pessoas que constituem uma família, mas também a história de cada um em particular sem, contudo, se perder o sentido do todo.

Eu vejo como personagem fulcral desta narrativa Duarte. Não sei se é a personagem que suscita sentimentos mais fortes, a que nos fica a martelar na memória. Porém é aquela que vai atravessando todo o livro; aquela com quem vamos crescendo e tendo experiências de todo o tipo; vivendo. É através dela que vamos conhecendo três gerações de uma família bem como de mais umas tantas pessoas que a rodeiam.

Todavia, e poderá parecer paradoxal, Duarte é uma personagem enigmática. Dotada de grande talento musical (que rejeita), vai vivendo em quase constante interrogação e por isso vai-se descobrindo também (sobretudo?) através do que as outras personagens vão desvendando sobre ele.

O livro inicia-se no dia vinte e cinco de Abril de 1974 mas começa muito antes, ainda no período da ditadura, quando Policarpo vende a propriedade, numa aldeia no sopé da Serra da Gardunha, ao seu amigo e médico Augusto Mendes, para sair do país.

Parte muito importante na narrativa são as cartas que Policarpo envia todos os anos ao seu amigo, aliás como havia prometido, até ao fim da sua vida.

Continua por Queluz onde António, filho de Augusto Mendes, vive com a sua mulher que havia conhecido antes de sair para uma das suas comissões na guerra do ultramar e tinha aceitado ser sua “madrinha de guerra” (quem é que actualmente sabe bem o que é isso???) e o seu filho Duarte.

E é assim, entre as faldas da Gardunha, Queluz, e todos os locais que as cartas de Policarpo nos deixam vislumbrar, que se vai apresentando perante o leitor um puzzle subtil onde as mais insignificantes peças (os episódios mais banais) se vão revelar fulcrais para o desenrolar da narrativa.

A não perder mesmo!

2 comentários:

Mar Arável disse...

Vou aceitar a sua partilha

Maria João disse...

Vou ler. Já está comigo.