Xs
Decidiste morrer.
E decidiste fazê-lo sozinha, tímida e discretamente como sempre
viveste.
Enrolaste-te bem, embrulhaste-te no teu manto de pêlo e
escolheste o canto mais esconso do armário mais esconso de todos os armários
esconsos que normalmente preferes.
Assim! Desta forma serena e recatada que é a tua.
Assim, sem carícias, sem mimos, sem ronrons, sem cuidados,
sem medo?
Envolta em toalhas esperavas pacientemente pela morte. Sem
ruído. Apenas tu. E talvez a dor. E, quem sabe, a saudade de um passado mais
que perfeito…
Condicionavas o futuro.
Assim, à meia-luz, fechaste com toda a força os olhos até
quase não os conseguires abrir. Contiveste o mar que há neles e tentaste
engoli-lo afogando-te em águas turvas de pavores, de aflições, de miasmas de
morte.
E sangraste.
E suportaste a dor, a sombra (que pedias), os eflúvios que
de ti se despenduravam.
E sangraste.
E sentiste a vida desprender-se lenta e implacavelmente de
ti.
E esperaste.
Esperaste…
Depois, há aqueles estorvos dos acasos aos quais nem a
meia-luz, nem os olhos sustendo o mar com muita força escapam. Inexplicáveis
mas mais que presentes.
Chegaram na vontade ilógica de te pegar, de te acariciar, de
te ter junto a mim, de escutar o teu ronronar, de sentir a maciez do teu pelo.
E procurei-te.
Busquei, todos os sítios onde eu sabia que gostavas de te
esconder e que gostava que julgasses secretos.
Devagarinho. Não queria perturbar-te. Apenas pegar-te,
mimar-te, sentir-te.
E cheguei ao canto mais esconso do armário mais esconso de
todos os armários esconsos onde gostavas de te esconder.
Toquei-te.
E nem a sombra de um som.
Apenas um roçagar de penumbras. Um frio inusitado em ti. Uma
aspereza que não costumas ter. Uma inércia no teu corpo que eu não conheço. Um esboço
de sopro. Apenas…
E doeu-me esse sopro. E arrepiou-me esse frio. E
crisparam-se sulcos na minha pele. E soltaram-se ondas e ondas de um mar feito
da tristeza mais triste que se pode sentir.
Enrolou-se-me a alma.
Desenrolei-te mansamente. Chamei por ti. Abri-te os olhos.
Limpei-te o sangue.
Assombrou-se o tempo. Desmanchou-se o dia. Ganharam forma os
vazios.
E tu não morreste.
5 comentários:
Tão triste...
Um beijinho, prima.
Boa noite,
Fiquei tão emocionada com este
poema... Conheço esta experiência
e o amor dos gatos...
Admirável e sublime a sua poética!!
Abraço de paz.
Li e reli este poema, e senti o que você sentiu ao lê-lo, pois os sentimentos afloram em cada palavra, e você deixa bem claro, o quanto esta gatinha é importante pra você…linda homenagem!
Beijos meu
WaleriaLima
Obrigada a todas, Waléria, Tininha e Suzete pela vossa compreensão e solidariedade.
O texto é triste mas a gatinha não morreu ainda. Está um pouco melhor e foi mesmo por muito pouco...
Beijinho
Que bom saber... Desejo muita
energia positiva e paz
para as duas...
Beijinho
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