Era um ano velho. Mesmo muito velho. Tão velho quanto um ano
pode ser. De tão velho estava gasto, irritadiço, agressivo e à medida que ia
percorrendo os seus dias, horas e minutos quase finais, já em esforço,
notava-se que ia provocando nas pessoas uma relativa ambiguidade de sentires.
Por um lado era manifestamente grande a vontade de se
livrarem das suas rabugices, dos esforços que exigiu, das dificuldades que
impôs, das incompetências que deixou (ajudou até a) medrar, da vassalagem a que
obrigou, do relativo estado de depressão generalizada que provocou nas gentes
daquele tempo, daquele ano muito velho. Tão velho quanto um ano pode ser.
As pessoas estavam mesmo fartas. Amargas e fartas. Teria
sido um ano de características burlescas não fora o facto de o sentido de humor
de todos não ter já mais por onde esticar; era um elástico estafado.
Por outro lado era assustador o legado que esse velho,
decrépito e de má memória iria deixar ao seu jovem sucessor. Estremeceriam
aterrorizados os segundos iniciais do recém-nascido. E, convenhamos, que, dada
a sua mocidade extrema, não tinha entendido da missa a metade.
E o tempo seria atrasado ou abreviado tal era a perplexidade
inicial do novo ano. E os segundos requerem tanta precisão!!! Tudo seria
imperceptível para os homens que apenas sentem o tempo das horas. Quando muito
dos minutos… Os segundos são vagos. Os segundos podem ser eternos ou, então,
podem apenas não ser.
E as pessoas saudaram o ano que nascia com festejos de
desesperança regados pelo orvalho do espumante barato que, por segundos
(aqueles que surgiram baralhados e hesitantes, como quem não quer vir), os
fariam esquecer as inaptidões de um tempo novo que, afinal, não é mais do que o
perpetuar ritmado, insidioso e inexorável das aflições do passado.
1 comentário:
E coragem....
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