Carta à pessoa, ou pessoas, que na quinta feira passada, tiveram a delicadeza de entrar em minha casa e me esbulharem de uma parte considerável dos meus bens móveis.
Caríssimos gatunos!
Em primeiro lugar não posso deixar de me penalizar pelo atraso a que fui forçada a condenar esta carta que tão obrigada me sinto a endereçar-vos. Contudo, têm de concordar que não são fáceis nem desembaraçados os trâmites porque os senhores me fizeram passar: O chamar a polícia e a resposta aos inquéritos inerentes, requerendo uma atenção muito especial da minha parte ou não fosse macular o vosso desempenho; A observação minuciosa pelos elementos desta força dos aspectos mais encantadores do vosso trabalho; A manutenção dos locais mais afectados em absoluto estado de sítio até à chegada, no dia seguinte da equipa técnica (vulgo CSI) e a intervenção criteriosa desta, recolhendo impressões digitais e outros materiais para posteriores análises de ADN (esta última era a brincar. Ainda não chegaram a esse módulo de formação). Mas mostraram fotografias de alegados possíveis suspeitos para ver se eram reconhecidos como passantes frequentes desta zona.
De seguida, como todos bem sabemos “Depois de casa roubada trancas à porta”, seguiram-se as démarches para a colocação dos alarmes mais adequados para salvaguardar futuras situações semelhantes e, meus senhores, tudo isto são coisas que me consumiram tempo, paciência e disposição para vos escrever.
Contudo, terminados que estão estes procedimentos mais imediatos, há umas quantas coisitas que gostaria de partilhar convosco.
Em primeiro lugar um profundo agradecimento pelo forte profissionalismo e pela enorme noção de ética que revelaram em todo o processo: não partiram vidros, não sujaram os locais por onde passaram (estou em crer até que tiveram o cuidado de limpar, bem limpos os pés no tapete que ali coloco para o efeito. Bem-hajam!), não arrombaram nem danificaram fechaduras, não levaram computadores portáteis, máquinas fotográficas e outros objectos como telemóveis e assim, pelo transtorno que a sua falta me poderia causar.
Por outro lado tiveram o cuidado de ir directamente ao local, que segundo a vossa opinião, seria aquele que se mostraria mais pródigo em valores. E era de facto, fizeram bem o trabalho de casa. Mais uma vez manifestaram profissionalismo.
Aí, cientes de que uma extorsão da totalidade dos objectos encontrados poderia redundar em momentos de intensa infelicidade e, quiçá, mesmo de algum descontrole emocional da minha parte (que não é bonito de se ver), e creio que já um pouco imbuídos de um certo espírito natalício, seleccionaram algumas peças de valor, é certo, tendo contudo deixado ainda umas quantas com as quais me poderei afinal alindar agora na quadra que se aproxima e que semeia amor por todos os lados.
Aproveito, já agora, o ensejo para vos informar que alguns dos colares, brincos, anéis e até relógios que deixaram, não eram tão fraquinhos como pareciam e, como tal, estão já devidamente acautelados onde, provavelmente, sempre deveriam ter estado.
Agradeço também o cuidado que manifestaram ao recolocarem algumas das peças rejeitadas nos seus invólucros originais o que, mais uma vez revela a ética que vos caracteriza. Sempre me pouparam algum trabalho. Pena que não os tivessem colocado todos nos sítios certos, mas também se compreende, não se pode ser perfeito!
Para terminar e já que se mostraram tão idóneos e sensíveis para com os transtornos que poderiam causar, quero retribuir informando que se regressarem, ir-se-ão deparar agora com o mesmo grau de profissionalismo e de bom-senso por vós demonstrado só que agora da minha parte:
Os valores estão acautelados, os alarmes accionados as fechaduras reforçadas e o cão solto.
Boa sorte!
16 comentários:
Ola minha Querida Donagata :)
Tenho q lhe dizer q o seu relato esta mesmo perfeito !
Imagino a Cara dos " ditos " profissionais se lerem esta sua carta !...
É de Louvar este seu Espirito , claro q o momento deve ter sido de Grande transtorno ... desde já o meu Lamento !!!
Mas aprecio Sempre o seu Espirito :) ,o Espirito de quem esta de bem com a vida !!!
Espero q Nunca mais tenha uma visita do alheio em sua casa , mas tb sei q ja tomou medidas e q esta preparada :) .
Beijo , Anibal Borges !
A sua mensagem aos larápios fez-me sorrir, mas diga-me uma coisa: quando viu a SUA casa invadida por esses figurões; os seus objectos - não importa quais e se muitos ou poucos - roubados; tudo de pernas para o ar, não lhe cresceu uma raiva e uma vontade irrefreáveis de os sovar a preceito, se a ocasião fosse favorável?
Faz bem em recorrer à ironia.
Um grande abraço de solidariedade
Alda
Obrigado Aníbal pela sua visita. É sempre um bocadinho agradável que passo ao ler os seus comentários. Já estranho se os não encontro...
Alda Maia, nem imagina a pena que tive, no momento, de não os apanhar cá dentro. Toda a gente diz que sou tola, que era um risco (e acredito que fosse). Mas a raiva e a sensação de impotência que cresceu em mim ao encontrar as minhas peças mais íntimas (e as outras também, claro), na minha casa, que é o meu refúgio, todas remexidas, conspurcadas não sei por que mãos, creio que só seria ultrapassada se os apanhasse e lhes desse como pudesse.
Se calhar foi melhor assim. Contudo ficou alguma coisa cá por dentro, por resolver. Daí o recurso à ironia.
Um beijo a ambos.
Donagata, és impagável! Até aos gatunos fazer rir! Boa sorte, espero que eles, nem que seja pelo respeito que devem ter por uma espirituosa Donagata, não repitam a dose!
Também espero que não. Agora, seguramente, encontrarão uma tarefa muito mais árdua pela frente.
Porra...
...
...
Lamento...
E admiro o seu humor, ao qual ajudo com um : ainda bem que não levaram o fato da hidroginástica!
Um beijinho muito especial.
Susana! seja bem vinda. E não, não levaram o fato da hidroginástica nem as toucas. Eram boas de mais para eles!
Confesso que quando comecei a ler esta fabulosa carta, pensei que iria chegar ao fim e perceber que tinha sido um momento de boa inspiração (e disposição) e que não teria passado realmente por tão incómoda situação(em vários sentidos. Lamento o sucedido, mas dou-lhe os meus parabéns pela forma como soube, através desta carta, "rir-se" da situação.
Até à próxima
É assim mesmo Donagata, escrever aos gatunos é uma prática que deveria ser obrigatória, assim como eles deveriam ser obrigados a responder. Ontem na RTP1 numa reportagem de fim de telejornal, um gatuno traficante de armas, a propósito de algumas armas da polícia se encontrarem disponíveis para venda ilegal, dizia: "Bem sei que a vida de ladrão não é fácil, mas olhe que a de polícia também não é famosa".
É bom mostrar apreço e elogiá-los pelo trabalho deles
Bj
André
Obrigada, ....salto alto (tem um nome muito grande!). Mas é normal encarar as coisas menos positivas que a vida me traz de uma forma irónica e acreditar sempre que podia ser pior. Sou, por norma, bastante positiva, facto que me ajuda a viver de uma forma mais feliz (ou mais inconsciente, tanto faz).
Beijos e obrigada pela sua visita.
André, vejo que, pelo menos em parte, partilhamos o sentido de humor.
Um beijo.
Eles que não se ponham a pau com a escrita, que além de todo o profissionalismo anti-roubo accionado, ainda levam com uma Donagata assanhada!
Gostei mesmo muito do texto, mais uma vez prova da extraordinária pessoa que é.
Mil beijos
"Extraordinária" leia-se: com falta de juízo, não é? Devia era andar por aí toda chorosa, mas a verdade é que não ando; não ando mesmo.
Um beijo.
Olha. Nem sei o que te dizer...
Apenas manifestar-vos a minha solidariedade.
E já é muito bom e eu agradeço.
Um beijo.
Pelo que diz é pessoa conhecida ou familiar. Nenhum estranho faria como diz.
Droga.
Enviar um comentário