Praia do Marreco
Já aqui estive em dias mais claros.
Aqui, no meu bar, da minha praia. Olho o mar que hoje se
perde num manto de nevoeiro espesso e viscoso. Lascivo, a coberto da bruma, lambe
os rochedos e deixa-os cobertos de uma baba negra onde as gaivotas pousam numa
geometria precisa que apenas elas sabem. Pontos brancos na névoa cinzenta.
Silenciosas. Sem olhar devido à distância. Melhor. De olhar invisível.
A praia estende-se à minha frente sem brilho, sem o ouro
habitual. Mais fria. Menos cúmplice. Hoje vestida de branco e vermelho de
barraquinhas lembrando o verão. Mesmo assim mais bonita quando despida. Quando
dourada, quando apenas areia e mar e céu e silhuetas de barcos ao fundo.
Hoje o silêncio é mais pesado. É feito de ruídos surdos e
húmidos e de gaivotas de olhar invisível que me assustam. E, apesar do vermelho
das barraquinhas, as poucas palavras soam líquidas e escuras, submersas na
espessura da névoa, no olhar invisível das gaivotas e perdem-se, esvaziam-se,
não são mais palavras.
E eu, que já aqui
estive em dias mais claros, imersa no assombro, procuro entalhar o tempo entre
os finos grãos de areia e continuar imortal.
Marreco 2014-08-24
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