Finalmente chegou a vez de ler este livro que há já algum tempo se perfilava num dos vários “montinhos” que tenho por ler(des)organizados à minha maneira. É certo, também, que embora tenham um lugar nessas “listas de espera” físicas (espalhadas por prateleiras, cestos, malas ou apenas empilhados no chão do escritório), a batota que faço é mais do que muita…
Enfim, em detrimento de outros que esperavam há mais tempo, acabou por ser este o seleccionado para ler pois era grande a curiosidade. É que embora não seja uma leitora muito assídua do autor, a verdade é que tenho gostado bastante daquilo que li. É o caso de “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”, “A varanda do Frangipani” e, julgo que apenas mais o “Último Voo do Flamingo” e primeiro que li do autor.
Mas regressemos a este “Jesusalém”.
Jesusalém é uma terra há muito esquecida que vai ser agora reabitada e renomada por Silvestre Vitalício. Este, com os seus dois filhos, o seu cunhado, o Tio Aproximado e Zacaria Kalash, o guerreiro que sempre militou nas causas erradas, escolhe-a para se instalar quando foge da cidade exactamente pelo seu isolamento e esquecimento.
É lá, construindo um mundo apenas seu, que Silvestre Vitalício se esconde da vida com o intuito de fugir às recordações da morte. É também lá que Ntunzi sofre a ausência do mundo que era o seu e de onde foi arrancado e que Mwanito, o nosso narrador, se converte no afinador de silêncios.
Do Lado-de-Lá tudo se havia extinguido, até as almas penadas. Em Jesusalém tudo eram vivos. Sem saudade ou esperança mas vivos.
É uma história de homens em que a mulher é o detonador e a razão de todos os acontecimentos.
É uma subtil (ou não) história de amor e de amores. Mas também uma história de dor, de rumorosos silêncios, das muitas mortes de uma vida.
Se a história é lindíssima e nos transporta a uma terra sem passado e em que o presente e o futuro se desenham em torno da vontade de um, terra onde um dia Deus virá pedir desculpa, e Jesus se descrucificará, a linguagem que a desenvolve é belíssima. Mia Couto consegue juntar à candura da narrativa de uma criança, ou das falas das gentes do interior moçambicano, a poesia complexa das coisas simples.
O resultado é muito bom.
Nota: Só para que conste; o livro é bom. Tão bom que despertou a cobiça de alguém que se apropriou indevidamente dele e o levou de cima de uma arca frigorífica de um pequeno mercadinho onde o havia pousado enquanto escolhia umas cerejas brilhantes e carnudas que, da montra, chamaram por mim.
Realmente eram boas, as cerejas, mas lá que ficaram caras, também é um facto. É que me custaram o preço delas mais o de outro exemplar do livro pois fiquei irritada e impaciente a escassas 17 páginas do final.
Ao menos que quem o levou se console com a sua leitura…. Eu consolei-me, com ele e com as cerejas.
2 comentários:
Pelo menos é um furto que talvez tenha servido para alguém se deliciar, como se de cerejas :)
Espero que sim.
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