Aguarela de Maria Manuela Silva
Há em mim como que uma desordem de cores
que derrota a madrugada
e se agarra com força ao interior da pele.
Mas hoje não.
Hoje não é dia de derrotas, angústias ou outras renúncias.
Hoje é dia de esbanjar memórias
e gastar muitas palavras nas lembranças boas.
E recordar o espanto, a esperança,
o mundo de vontades em torvelinho
que eu vi,
que eu vivi;
lembrar o desejo de geometrias de linhas rectas,
sem ambiguidades ou hesitações,
que fez esquecer medos, acendeu muitas palavras
e as cerrou em punhos que elevou bem alto;
festejar com os cravos rubros, vindos não sei de onde,
que rapidamente se foram espalhando
até se fixarem nos canos frios das armas em repouso
no colo de militares de olhar feliz;
e ouvir a descoincidência das gaivotas e das grândolas cantadas em coro.
Hoje é dia de dar voz ao espanto.
Dia de esquecer ruínas e desencantos
e dar força aos sonhos,
aos tais,
aos urgentes,
aos que nos ferram os ossos,
aos que nos constroem,
aos que reordenam as cores
e mantêm vermelhos os cravos de Abril
aos que nos obrigam a renascer.
2022-04-25
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