Chaves. Verão de 1958
Recordo os verões da minha infância.
Eram verões em que o tempo era enorme e as brisas nos
penteavam sorrisos grandes.
Verões que carregavam muitos perfumes bons e muito maduros.
Traziam também as libelinhas, as andorinhas, muitas andorinhas nos beirais com
ovinhos e filhos pequenos de bico muito aberto. E eu podia brincar ao ar livre
até ao pousar da noite que era muito à noite mesmo. Traziam as papoilas, as
talhadas de melancia, os figos e os pêssegos, as abelhas, as cobras, os
sardões… O medo que a minha mãe tinha das cobras!!!! E dos sardões. Não tanto
mas também tinha. Quando precisava de sair, nas tardes desses verões, chamava-se
o caseiro que vinha com uma enxada afugentar as que se estendiam sobre o muro,
ao sol. Só depois a minha mãe ia até ao portão.
Havia pintainhos pequeninos, amarelos e às cores, que eu
gostava de ver correr com passinhos miudinhos atrás da mãe gorda e de penas
tufadas.
Havia muito feno que eu adorava cheirar e palheiros onde ia
escorregar e buscar comichões incómodas e persistentes. E ralhos de mãe e
banhos e roupa fresquinha. E havia ervas muito verdes que eu colhia para
brincar às casinhas, E eram o arroz, os bifes, as saladas… havia ervas e
vontades para tudo.
Havia passeios à azenha, ou ao açude, mais raramente, onde
tomávamos banho no rio de águas muito frias e muito limpas com maillots que a
minha mãe tinha tricotado e que ficavam muito duros e muito tesos. E lanches
que comia sentada no liteiro com a pele muito arrepiada e muito fresca depois
desses banhos que tentava fazer durar por todos os tempos do mundo.
Havia ainda as longas tardes com o avô. Sentados numa fraga
aprendi que o granito era bordado com grandes pontos de quartzo, de feldspato e
fios brilhantes de mica. Aprendi a reconhecer o xisto, o calcário, o basalto e
a desenhar nas pedras. Aprendi a gostar muito dos malmequeres e de papoilas. A
separar as pétalas das sépalas e a passar os dedos nos estames para ficar com
eles pintados de pólen. Aprendi a
assobiar em palheiras, a apanhar grilos a reconhecer poupas e cucos e melros e
pardais, são lindos os pardais, e ouriços-cacheiros e toupeiras.
À noite adorava esticar muito o pescoço e alargar o olhar
para um céu muito grande que costumava haver nesses verões e, ainda com o meu
avô, tratar pelo nome a Ursa Maior, a Menor, a Cassiopeia, a Orion… E depois,
pendurada nas estrelas, adormecer ao seu colo.
Tenho saudades dos verões da minha infância. É que as noites,
agora, não são tão demoradas, o céu é bem mais pequeno e já não encontro
estrelas onde
me pendurar.
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