Um livro que há já uns tempos tinha intenção de ler.
Foi prémio Leya 2008 o que, à partida, lhe confere algum interesse.
Acabei por lê-lo emprestado e, por isso, teve prioridade em relação a uma extensa pilha que se vai acumulando à minha volta.
Foi-me emprestado como sendo um livro extraordinário daí a sua leitura imediata.
Pois bem. Eu não o catalogaria no rol daqueles livros que considero verdadeiramente extraordinários mas é, sem dúvida, um bom livro.
Estamos em Congonhas do Campo algures em Minas Gerais no virar do século XIX. Aí, o nosso narrador, Pereira, contemplando as estátuas dos “profetas” esculpidas em pedra sabão, no adro da igreja pelo “Aleijadinho” (António Francisco Lisboa), e saudoso da sua amada Francisca, propõe-se narrar a vida de seu amigo Pierre, dele próprio e de algumas pessoas cujas vidas tocaram ou que vieram a fazer parte deste riquíssimo percurso que foram as existências de ambos.
E aí vamos sendo transportados desde Paris onde ambos eram elementos do exército até ao Brasil (depois Argentina, Paraguai…) onde aportamos exactamente num período histórico conturbado em que se desenrola uma guerra contra o Paraguai (guerra da “Tríplice Aliança” uma vez que se haviam aliado a Argentina, o Uruguai e o Brasil para combater o Paraguai que tinha invadido a província brasileira do “Mato Grosso”).
É um livro baseado em factos reais, muito bem documentado e que nos conta bastante pormenorizadamente o já referido conflito e nós dá, em imagens muito vívidas, conhecimento dos momentos duros de uma guerra que foi, em muitos momentos, sangrenta, desumana até ao limite do concebível. Menciono, por exemplo, no final, o massacre das crianças-soldados…
Mas, quanto a mim, esta não será a perspectiva mais importante do livro. Pelo menos não foi aquela que mais me impressionou, se bem que tenha apreciado saber mais acerca deste momento histórico. No meu ponto de vista o que aqui ressalta é a situação dos povos autóctones da região; a perda inexorável dos seus espaços, das suas raízes e, consequentemente, da sua identidade enquanto povos. Alguns deles preferindo o extermínio à aculturação.
É o caso dos Aimoré (Botocudos) que vamos seguindo, com Pierre tentando encontrar o povo de Firmiano que havia sido levado daquela zona, anos antes, por Saint’ Hilaire, mas também buscando as suas origens, a sua identidade.
Essas vão ser mais tarde encontradas junto do povo Guarani com quem Pierre se identifica e vem a ser por ele considerado um dos “adornados”, o mais importante profeta, aquele que o povo aguardava, tal como profetizara Ñamandu, o seu deus, para os conduzir em glória `à”Terra Sem Males”: o Jaguar…
Pereira vai-nos narrando todo este passado recorrendo à sua memória, é certo, mas sobretudo a cartas e documentos escritos por Pierre, por Firmiano e por ele, dado que passou todo esse tempo como repórter de guerra a soldo do “Le Figaro”.
Ao mesmo tempo vai-nos deixando momentos de um presente nostálgico, ora contemplando os seus profetas, ora abraçando o “fantasma” da sua adorada Francisca. Presente que o leva a reencontros com personagens como Mateus e Benedito.
Presente que o vai levar a protagonizar, a ele próprio, uma demanda improvável.
De realçar a importância que aqui toma a alusão à peça de Wagner “Tanhauser Ouverture” que Pierre adorava, que tocou na Ópera de Paris e que, para mim, funciona quase como uma metáfora em relação à sua vida.
Um livro muito bom, sem dúvida, muito preciso, precioso no que concerne a documento histórico, bem escrito, numa linguagem fluida e agradável.
A ler, sem dúvida.
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