- Oh Sr. Siva, Sr. Silva!!!! Largue-me as orelhas, carago, que ainda mas arranca!!! Assim gritava o pobre Joaquim, aprendiz de cozinheiro, enquanto o Chefe Andrade, com ganas nunca imaginadas, lhe puxava, torcia e rolava os apêndices auditivos, já de tamanho considerável mesmo sem estas inesperadas ajudas. E, enquanto ia puxando, torcendo e rolando vociferava cada vez mais encarniçado, lançando impropérios ao rapaz e a toda a sua família (sobretudo à mãe, a D. Adozinda , por acaso senhora de muito respeito). Enquanto isso, ia ainda tecendo conjecturas acerca de todos os acessórios que gostaria ainda de lhe arrancar além das já citadas orelhas.
Mas vamos lá ver a que se deve tamanho rebuliço na normalmente calma cozinha do Chefe Andrade.
Pois bem, era sexta-feira, 10, do mês de Junho, dia programado para a tão badalada e esperada abertura do restaurante do Café-Teatro Rivoli. Ora, como se trata de um ícone portuense nada melhor para constar no cardápio, com honras de prato principal, do que umas tripinhas à moda do Porto. Iguaria que desde os tempos em que as donas de casa, desesperadas com a falta de carne que haviam enviado para os marinheiros que se faziam a Ceuta, se tinham agarrado às miudezas, se tornou de comer e chorar por mais. É verdade. Sempre criativas estas gentes do norte. Ainda por cima num dia tão importante como o “Dia de Portugal”… Há lá coisa mais portuguesa do que umas tripas à moda do Porto????
- E estava tudo a correr tão bem!!!! Gemia o Sr. Andrade, agora sem pose de chefe, abatido e desgostoso, enquanto o Joaquim o olhava de uma distância segura e com a grande mesa da cozinha de premeio não fosse o diabo tecê-las…
- O feijão já cozido e tão tenrinho, as restantes carnes… um luxo. E as tripas? Ai as tripas!
Será melhor ser eu a explicar o imbróglio. Até porque, na verdade, nem o Sr. Andrade nem o Joaquim estão capazes de o fazer.
Coube ao Joaquim, como habitualmente, a tarefa de ir buscar as tripas. E lá foi muito satisfeito por poder arejar.
O talho fica ali para os lados do Largo de S. Domingos, bem perto da Ribeira, local onde vive o Joaquim. Já na posse do saco das tripas não resistiu e foi dar uns toques na bola com alguns dos seus amigos que, supostamente fora do horário lectivo, por ali andavam a treinar para Ronaldo. Pousou as tripas em cima de um pilar e toca a dar na bola como se não houvesse amanhã. Tinha jeito o ganapo. E, mesmo quando estava em pleno Estádio do Dragão pronto a mandar um limpinho, sem resposta, ao guarda-redes do Benfica (Roberto nem ia perceber o que lhe tinha acontecido, como habitualmente, aliás…) é interrompido por uma cacofonia de latidos rosnidos e ganidos… E, quando olhou, ainda vislumbrou as tripas a escorregar pelo saco e uma matilha de cães a disputá-las… Foi aí que também as suas quase cederam tal foi o medo da reacção do Chefe Andrade, homem habitualmente calmo, é certo, mas capaz de actos imprevisíveis quando fora de si.
Lá ganhou coragem (foi necessário muita…) e regressou à cozinha onde tudo se passou como descrevi depois de o Joaquim entrar e, quase da porta declarar:
- Bom, chefe… Ah… Uh… Ah… Hoje não há tripas no Rivoli!!!!! Dei-as aos cães…
Este texto foi escrito para um "Clube de Escritores" que não chegou a realizar-se. O mote tinha de ser este. Não fui eu, obviamente, que escolhi...
3 comentários:
Ó Dona Gata,
já me fez rir :) E não é que eu conheço uma história verídica parecida com essa? um rapazola que foi fazer um mandado à mãe - comprar carne para cozer e que, pelo caminho, se enfeitiçou da redondinha... a carne a descansar numa bilha de gás parada por perto... o tempo a correr depressa ... o resto? pois... a almoço no focinho da matilha... e o rapazola a "toque de caixa" ... outros tempos...
Gratidão
Mel
Obrigada, Mel. Ainda bem que a fiz rir. É tão difícil fazer rir as pessoas!!!
E tão necessário...
Obrigada. Volte sempre.
Voltarei sim Dona Gata. Fica o convite para que apareça lá pela minha "noite".
Será sempre bem vinda. Também tenho por lá contos de humor :) - (vidé tags na lateral)
Abraço fraterno
Mel
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